Em 2004, o mundo enfrentou uma tragédia dupla de proporções monumentais. Um poderoso terremoto no Oceano Índico foi seguido de um tsunami destruidor, que deixou mais de 260 mil mortos em 14 países.
Sete anos depois, um acontecimento semelhante teria não apenas dois, mas três atos. Um desastre triplo castigou o Japão, quando um terremoto tão intenso quanto o do Oceano Índico, mas desta vez no Pacífico, provocou um tsunami também devastador, contra o qual as sólidas defesas japonesas não tiveram chance.
A fúria do mar, por sua vez, provocou um acidente nuclear na usina de Fukushima, 260 quilômetros ao norte de Tóquio. Mais de 18 mil pessoas foram mortas pelo tsunami, e o acidente em Fukushima forçou a retirada de 160 mil pessoas que moravam nas imediações.
Foi a maior catástrofe enfrentada pelo Japão desde as bombas atômicas lançadas sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945.
O grande terremoto
O dia 11 de março de 2011, uma sexta-feira, dificilmente será esquecido pelos japoneses. Às 14h46, horário local, num ponto do Oceano Pacífico a 130 quilômetros ao leste da cidade de Sendai, um terremoto não apenas sacudiu como também deslocou o Japão.
Com 9 graus de magnitude, o “Grande Terremoto do Leste do Japão” — também conhecido como “Grande Terremoto de Sendai” ou apenas “Terremoto de Tohoku” —, o maior já registrado no país, empurrou em 2,4 metros para leste a ilha de Honshu, a maior do Japão.
No ponto exato do abalo sísmico, 24,4 quilômetros abaixo do fundo do mar, o atrito entre as placas tectônicas da Eurásia e do Pacífico causou a maior movimentação de terra já registrada num terremoto, de 50 metros — no abalo de 2004, no Índico, ela foi de 25 metros.
Essa movimentação forçou o mar para cima, causando o tsunami — uma série de ondas gigantes. Acostumado a grandes tremores seguidos de destruição em larga escala, — como em Tóquio, em 1923, e em Kobe, em 1995 —, o Japão começava a enfrentar uma sucessão de eventos inédita em sua história.
O terremoto em si já era excepcional mesmo para padrões japoneses. A área do país mais atingida foi a região de Tohoku. Em sua capital, Sendai, as pessoas que estavam nas ruas rapidamente perceberam que não havia para onde fugir.
Imagens registradas em vídeo mostraram muitos tentando escapar de pedaços de edifícios que caíam sobre a calçada e trabalhadores apavorados em escritórios, onde objetos e móveis eram lançados ao chão.
A longa duração do tremor — cerca de seis minutos — tornou o momento ainda mais assustador. “Oh, meu Deus, o prédio vai cair!”, diz um homem, em inglês, em um dos momentos de maior vibração do local onde estava.
O Japão é considerado o país mais bem preparado do mundo contra terremotos. Depois da tragédia de 1923, que matou 140 mil pessoas, os edifícios japoneses passaram a ser construídos para absorver a energia de um abalo sísmico e, assim, são capazes de manter-se de pé.
O processo, chamado de “isolamento sísmico”, envolve a presença de proteções na base das construções, como blocos de borracha, e amortecedores na estrutura dos edifícios.
Os avanços em tecnologia, porém, não protegem as cidades japonesas de qualquer dano — e, no caso do terremoto de Tohoku, eles foram muitos e de grande alcance. Houve destruição na capital, Tóquio, a 373 quilômetros do epicentro, onde o abalo sacudiu o Parlamento nacional.
A leste de Tóquio, na cidade de Ichihara, o abalo fez com que uma refinaria pegasse fogo e explodisse. Nada disso, porém, seria comparado ao que estava prestes a atingir a costa leste do país.
O tsunami
O Japão já conhecia muito bem os tsunamis — a palavra é japonesa, formada pela união de “tsu”, que significa “porto”, e “nami”, que significa “onda”. O Serviço Nacional Oceânico dos Estados Unidos define o fenômeno tsunami como “uma série de ondas gigantes causadas por terremotos ou erupções vulcânicas sob o mar”.
E o órgão acrescenta: “No meio do oceano, ondas de tsunami não aumentam enormemente em altura. Mas, conforme as ondas atingem a costa, elas vão adquirindo mais e mais altura com a diminuição da profundidade do mar”.
O Japão já contava com um desenvolvido sistema de alerta e uma ampla estrutura de proteção. Às 14h49, três minutos depois do terremoto, um primeiro aviso de tsunami foi disparado. Essa notificação, entretanto, subestimou o tamanho do problema. A magnitude do terremoto foi inicialmente estimada em apenas 7,9, e acreditava-se que as ondas que pudessem chegar à costa teriam alturas entre 3 e 6 metros.
Na verdade, como se veria pouco depois, as ondas chegaram a 10 metros de altura, em alguns pontos até 15, e o abalo havia sido muito mais intenso, de 9 graus de magnitude. Essas falhas no aviso ficariam claras durante uma investigação sobre a tragédia. Um relatório da Agência Meteorológica do Japão, produzido em outubro de 2013, disse que os erros do alerta inicial podem ter contribuído para o alto número de vítimas.
“Isso pode ter levado algumas pessoas a pensar que as ondas do tsunami não ultrapassariam as muralhas de proteção e possivelmente contribuiu para demoras na evacuação.” Um segundo alerta chegou a ser divulgado, às 15h10, aumentando a previsão do tamanho das ondas para até 10 metros. Nesse momento, porém, o tsunami já estava perto demais.
Meia-hora depois do terremoto, as ondas chegaram à costa de Tohoku e outras regiões do leste do Japão. Do alto de prédios muitos japoneses viam, impotentes, o momento em que as primeiras ondas venciam os muros de proteção como se estes não existissem. Paredes de água invadiram as cidades do litoral, carregando e destruindo barcos, carros e casas, que de longe pareciam de brinquedo.
O porto e o aeroporto de Sendai foram totalmente tomados pelas águas — embarcações, aeronaves, helicópteros, caminhões, vans e outros automóveis eram facilmente arrastados pelas ondas. Muitos momentos foram registrados por câmeras japonesas, em imagens que impressionaram o mundo. Cerca de 250 quilômetros ao norte de Sendai, o tsunami chegava à cidade de Miyako, onde a destruição foi igualmente espantosa. A montanha de água negra do mar logo venceu as barreiras de 5 metros de altura, arrastando com ela carros, barcos, casas e os postes de eletricidade.
No dia seguinte, 12 de março, as equipes de resgate esforçavam-se para encontrar sobreviventes e retirar pessoas de regiões alagadas. Segundo balanço da BBC News, cerca de um terço da cidade de Kesennuma, em Miyagi, de 74 mil habitantes, estava submersa, e havia vários focos de incêndio. Na província de Iwate, a cidade de Rikuzentakata, de 23 mil habitantes, havia sido totalmente tomada pelas águas — e mais de 300 corpos já haviam sido encontrados.
Os serviços de monitoramento de abalos sísmicos haviam registrado 125 tremores secundários, decorrentes do grande terremoto — um deles de 6,8 de magnitude. O total de construções destruídas, completa ou parcialmente, chegava a 3,4 mil. Cinco milhões e meio de moradias estavam sem eletricidade, e mais 200 mil pessoas estavam em abrigos provisórios, entre muitos outros aspectos da tragédia.
O terremoto seguido de tsunami deixou um total de 15.853 mortos e 3.282 desaparecidos, a maioria devido ao avanço do mar. A região com mais vítimas fatais foi a de Miyagi.
Um ano depois do desastre, 330 mil pessoas ainda viviam em algum tipo de acomodação temporária. Mais de 300 mil prédios foram destruídos, e outros 1 milhão, danificados – pelo tsunami, por incêndios ou pelo terremoto -, além de 4 mil estradas, 78 pontes e 29 linhas férreas.
A devastação gerou impressionantes 25 milhões de toneladas de detritos. Parte deles foi levada pelo oceano e acabou nos litorais do Canadá e dos Estados Unidos. Entre elas, uma motocicleta Harley-Davidson, uma bola de futebol e pequenos barcos. O custo financeiro do desastre chegou a cerca de US$ 200 bilhões.
O acidente nuclear
As terríveis imagens que chegavam do Japão geraram solidariedade internacional, com líderes do mundo todo expressando apoio e anunciando ajuda aos japoneses. Depois do terremoto e do tsunami, a tragédia ainda teria, porém, um terceiro capítulo.
Já no dia 11, pouco depois do tsunami, surgiram as primeiras preocupações com duas usinas nucleares no leste do país, próximas ao epicentro do terremoto: Onagawa, na província de Miyagi, e Fukushima Daiishi, na província de Fukushima.
Em Onagawa, a usina mais próxima do epicentro do terremoto, um incêndio começou no salão de turbinas, uma área separada do reator, mas foi rapidamente apagado. Em Fukushima, a situação seria bem mais grave.
A localização da usina de Onagawa, protegida por um muro de 14 metros de altura e construída numa parte mais alta do terreno, garantiu que o prédio não sofresse grandes danos com o tsunami.
A estrutura que protegia Fukushima, por outro lado, mostrou-se precária. A usina de Fukushima tinha quatro reatores, dos quais três — as unidades 1 a 3 — estavam operando naquele dia. Com o terremoto, as três unidades se desligaram automaticamente, como previam seus sistemas de segurança.
O abalo danificou as seis linhas de transmissão de energia que alimentavam a usina, o que ativou o funcionamento de seus geradores a diesel para movimentar as bombas responsáveis pelo resfriamento dos reatores.
Às 15h42 do dia 11, no entanto, a usina foi castigada por uma primeira grande onda do tsunami — uma segunda viria oito minutos depois. As ondas chegaram a 15 metros de altura, mas Fukushima não estava preparada para tanto.
Erguida a 10 metros acima do nível do mar, a usina era cercada por uma muralha de proteção de apenas pouco mais de 5 metros. As águas alagaram imediatamente o subsolo do prédio, exatamente onde estavam os geradores.
Toda a base da usina ficou alagada, situação que deu início ao maior desastre nuclear desde a explosão em Chernobyl, na Ucrânica, em 1985 — no mesmo país que sofreu dois bombardeios atômicos na Segunda Guerra Mundial.
Com o alagamento do subsolo, os geradores deixaram de funcionar — outros equipamentos importantes para a operação, como bombas e baterias, também ficaram inoperantes. Sem energia e com equipamentos danificados, o processo de resfriamento dos três reatores parou.
O acesso à usina também estava prejudicado, devido aos danos causados pelo tsunami e pelo terremoto nas estradas.
Na noite do dia 11, foram anunciados um estado de emergência nuclear e a evacuação de moradores num raio de 2 quilômetros da usina. A área foi logo estendida para 3, depois 10 quilômetros, e no dia seguinte a evacuação atingiu a 20 quilômetros.
Vazamento
O quadro se agravou no dia 12, como noticiou a BBC News: “Uma poderosa explosão atingiu uma usina nuclear no nordeste do Japão que havia sido seriamente danificada no terremoto e tsunami de sexta-feira”.
A explosão ocorreu durante tentativas das equipes de emergência de retomar o resfriamento dos reatores e ventilar o compartimento de contenção.
Como explicou em relatório a Associação Nuclear Mundial, que representa o setor de energia nuclear: “Às 15h36 do sábado, dia 12, houve uma explosão de hidrogênio no andar de serviço do prédio sobre a contenção do reator unidade 1, destruindo o teto e a cobertura no topo do prédio”.
Ao longo dos dias seguintes ao tsunami, vapor radioativo acabou liberado na atmosfera, tanto por vazamento como em tentativas de reduzir a pressão interna nos reatores. Também houve vazamento de água radioativa no Pacífico.
Nos primeiros três dias do acidente, os núcleos dos reatores de Fukushima derreteram, e o vazamento de radiação continuou por seis dias. O trabalho das equipes técnicas visava basicamente tentar esfriar os reatores 1, 2 e 3, utilizando água, e interromper o vazamento de material radioativo.
Demorou duas semanas até que os reatores fossem considerados estáveis novamente. Não houve mortes decorrentes do acidente – em 2018, porém, o governo japonês confirmaria uma primeira morte de um trabalhador de Fukushima, de câncer decorrente da exposição à radiação.
A usina de Fukushima ficou inutilizada. Com o passar dos anos, cerca de 1 milhão de toneladas de água contaminada foram acumuladas em seu interior — água da chuva e vinda do solo que era contaminada ao entrar em contato com a água usada no resfriamento dos reatores.
Em outubro de 2020, nove anos depois do acidente, o governo japonês preparava-se para decidir o que fazer com esse material. A opção mais provável era lançá-lo no Oceano Pacífico, a partir de 2022, medida criticada por ambientalistas e entidades do setor de pesca.
O acidente nuclear levou à evacuação de 160 mil pessoas da região, com a área afetada estendida de 20 para 30 quilômetros no final de março de 2011. Grande parte foi autorizada a voltar, com a redução do risco, mas as áreas mais próximas à usina de Fukushima continuaram interditadas.
Duas pequenas cidades, Okuma e Futaba, de 11 mil e 7 mil habitantes, respectivamente, continuaram fechadas durante anos.
Em 2019, as autoridades permitiram o retorno dos moradores a 40% de Okuma, considerada segura depois de anos de descontaminação. Muitas pessoas, no entanto, ainda questionavam a segurança e não se sentiam confortáveis para voltar.
Em março de 2020, Futaba foi reaberta, mas ainda apenas para a entrada de trabalhadores envolvidos em sua reconstrução. O retorno permanente de moradores só estava previsto para 2022.
Depois do acidente, o Japão iniciou detalhadas inspeções de segurança em todos os seus cerca de 50 reatores nucleares. Devido às inspeções, em maio de 2012 todas as usinas do país foram fechadas, sendo reabertas aos poucos a partir de 2015.
Entre elas, a usina de Onagawa, fechada desde 2011 e cujo funcionamento estava previsto para ser retomado no final de 2020. A pressão para que o país reduzisse sua produção de energia nuclear aumentou, e o Japão pretendia diminuir a participação dessa fonte, de 30%, na época do acidente em Fukushima, para previstos 20% em 2030.
Japão mais preparado
Os efeitos do Grande Terremoto do Leste do Japão duraram muito mais do que se imaginava.
Em novembro de 2016, um tremor de 7,4 graus de magnitude atingiu as regiões de Fukushima e Miyagi. Segundo técnicos, não se tratava de um novo terremoto, mas sim de um abalo secundário ainda decorrente do grande tremor de 2011.
O evento, que não causou danos significativos, foi mais uma lembrança da dimensão do desastre de cinco anos antes — e da necessidade de o país se preparar melhor para futuras tragédias.
A partir de 2011, as defesas japonesas contra tsunamis, ao longo do litoral leste do país, foram ampliadas. Em vez de 5 metros de altura, os muros para conter futuras ondas gigantes passaram a ter cerca de 13 metros.
A geografia da cidade de Rikuzentakata, uma das mais atingidas pelo tsunami, foi reformulada, como parte de sua reconstrução. O centro da cidade, completamente destruído pelo mar, foi refeito sobre um imenso aterro que cobriu a antiga estrutura.
A área, com isso, foi elevada em 10 metros, tornando-a muito mais segura, mais protegida do alcance de possíveis ondas gigantes.
Além de tsunamis, o Japão segue se preparando para uma outra grande tragédia: um novo terremoto, possivelmente em sua capital, Tóquio -—uma região metropolitana com 37 milhões de habitantes.
O último grande tremor a castigar a cidade, em 1923, está prestes a completar cem anos, e especialistas avaliam que um desastre semelhante deva ocorrer cerca de um século depois. As chances de um novo terremoto atingir a cidade antes de 2050 são avaliadas em cerca de 70%.
Enquanto seus prédios estão preparados para resistir a um forte tremor, um terremoto em Tóquio seria um desafio enorme para os serviços de socorro e resgate, seu sistema de transporte e para a população.
Por isso a cidade testa regularmente sua estrutura de comunicação, que envolve centenas de alto-falantes espalhados em espaços públicos.
A certeza de que o Japão continuará a ser alvo de tremores de terra, alguns graves, faz com que a população no país esteja sempre a postos para uma emergência.
Em 2016, o brasileiro Rodrigo Simukawa, morador da cidade de Hamamatsu, contou à BBC News Brasil que tinha uma mochila já pronta, com comida, água, roupa e medicamentos, caso precisasse sair correndo de sua casa. “Participo de treinamentos e simulações e fiz um curso de primeiros-socorros”, disse.
Os inúmeros desastres naturais da história japonesa ficam sempre na memória de todos no país – especialmente o tsunami de 2011.
Cada terremoto representa um novo teste de sobrevivência. Com sua tecnologia, sua arquitetura e a resistência de sua população, o Japão está em constante aprendizado, até porque não tem escolha. Seu permanente e eterno embate com a natureza é uma realidade da qual o país não pode fugir.
Fonte: BBC.