Há crescentes indícios de que o grupo extremista Estado Islâmico (EI) está se reorganizando no Iraque, dois anos depois de haver perdido o controle sobre seu último território no país.
Membros dos serviços de inteligência curdo e ocidental afirmaram à BBC que a presença do EI no Iraque é uma ameaça sofisticada e que os ataques do grupo estão aumentando.
Os extremistas têm agora mais habilidades e são mais periogosos que a Al-Qaeda, de acordo com Lahur Talabany, um dos chefes do serviço curdo de combate ao terrorismo.
“Eles têm técnicas melhores, táticas melhores e muito mais dinheiro a seu dispor”, disse ele. “Conseguem comprar veículos, armas, suprimentos e equipamentos. São mais espertos com tecnologia. É mais difícil se livrar deles. Então eles são um pouco como a Al-Qaeda com esteroides.”
O chefe de inteligência veterano fez essa dura análise em um forte sotaque londrino — legado de anos no Reino Unido depois que sua família teve que fugir do regime de Sassam Hussein.
Na base curda de Sulaimaniya, nas colinas de região curda no norte do Iraque, ele pintou um cenário de uma organização que passou os últimos 12 meses se reconstruindo a partir das ruínas do califado.
“Vemos as atividades aumentando agora, e achamos que a fase de reconstrução chegou ao fim”, diz Talabany, chefe da agência Zanyari, uma das duas agências de inteligência no curdistão iraquiano.
Ele diz que um tipo diferente de EI emergiu, um que não quer mais controlar nenhum território para não se tornar algo. Agora, assim como a Al-Qaeda antes deles, os extremistas estão se escondendo nas cavernas das montanhas Hamrin.
“Esse é o eixo de atuação do EI agora”, diz Talabany. “É uma longa cadeia de montanhas, muito difícil para o exército iraquiano controlar. Há muitos locais para se enconder e cavernas.”
Ele alertou que o EI será alimentado pelo atual estado de inquietação da capital do Iraque, Bagdá, e vai explorar o senso de alienação entre a minoria dos muçulmanos sunitas. No Iraque esse é um padrão sangrento e comum.
“Se temos inquietação política”, disse ele, “é um cenário de Natal antecipado para o EI.”
Atraindo soldados
Os extremistas também estão se beneficiando das relações de tensão entre Bagdá e o governo regional curdo, após o referendo curdo sobre independência de 2017.
Existe agora uma vasta “terra de ninguém” no norte do Iraque, entre a região onde estão as forças de segurança curda e as forças de segurança iraquianas. De acordo com Talabany, as únicas pessoas patrulhando essa “terra de ninguém” no momento são os soldados do EI.
Em um posto avançado no topo da colina próxima à cidade de Gwer, o major general Sirwan Barzani observa essa “terra de ninguém” com uma expressão preocupada. Ele faz parte do exército Peshmerga curdo, que está na linha de frente de combate ao EI.
Barzani diz que agora o EI tem livre movimentação por esse território sem controle.
“É possível dizer que eles estão permanentemente no delta do rio Tigre com o rio Zab Superior”, diz ele. “Há atividade demais do EI na área próxima ao Tigre. Podemos ver suas atividades e movimentações todos os dias.”
De acordo com os relatórios de inteligência peshmergas, as fileiras do EI na área recentemente receberam o acréscimo de 100 soldados que vieram da Síria, incluindo alguns estrangeiros que usam “cintos suicidas”, equipados com bombas.
Foi desta colina que os peshmerga lançaram sua primeira ofensiva contra o EI em agosto de 2014. O major general — e outros por lá — dizem que a história está se repetindo.
“Posso comparar 2019 com 2012”, diz ele, “quando eles estavam começando, se organizando, e cobrando proprinas do povo. Se a situação continuar assim, em 2020 eles vão se reorganizar ainda mais, se tornar mais poderosos e realizar mais ataques.”
Agentes de inteligência curda estimam que o EI tem 10 mil pessoas no Iraque, com entre 4 mil e 5 mil soldados entre elas. Além de um número parecido de simpatizantes e células dormentes (que aguardam para serem ativadas).
A comunidade internacional deveria estar preocupada, diz Lahur Talabany. “Quanto mais confortáveis eles estiverem aqui, mais eles vão pensar em operações fora do Iraque e da Síria”, diz.
Mantendo a pressão
O general de brigada William Seely, comandante da força tareça americana no Iraque, diz que o EI está tentando se reconstituir, mas desta vez enfrenta uma resposta diferente das forças de segurança iraquianas e turcas.
Segundo Seely, elas estão mais preparadas do que em 2014, quando o EI conseguiu assumir o controle de um terço do Iraque e tomou Mosul, sua segunda maior cidade, praticamente sem enfrentar oposição.
“A ISF (forças de segurança do Iraque) e os Peshmerga não são os mesmos de quando Mosul caiu”, diz Seely. “Nós estamos aqui melhorando o seu treinamento. A ISF tem se mantido atenta e atuando para garantir que não se perca a vantagem contra o EI.”
Ele cita um único período, de meados de outubro a meados de novembro, no qual o exército iraquiano fez 170 “operações de limpeza” e destruiu quase 1,7 mil componentes usados para fazer bombas caseiras.
Seely afirma que os soldados do EI agora estão se escondendo nas cavernas e no deserto “em condições que ninguém aguenta por muito tempo” e não conseguem se movimentar em grande formações.
“O máximo que eu vi em meus seis meses aqui foram 15 [extremistas juntos]”, diz ele, acrescentando que mesmo um soldado do EI é muito.
Por enquanto os extremistas estão se confinando às sombras — saindo à noite para fazer ataques relâmpagos.
Mas o Iraque já testemunhou o terror crescer desde o começo, a alguns temem que uma nova ameaça esteja vindo, tanto para a região quanto para o Ocidente.
Fonte: BBC.