“É o inferno na Terra”, diz Natalia Denisova, depois de deixar a cadeia. “Por favor nos ajudem.”
Como muitos outros em Bielorrússia, Natalia diz que foi humilhada e maltratada quando foi detida pela polícia.
“Eles torturam pessoas e torturam jovens mulheres”, diz ela.
O seu relato é parecido com o de vários outros presos que sofreram espancamento enquanto estavam sob custódia policial. A Anistia Internacional diz haver indícios de tortura em grande escala.
Cerca de 6,7 mil pessoas foram presas desde o início de manifestações contra as eleições presidenciais de Bielorrússia, no dia 9 de agosto.
Alexander Lukashenko, que está no poder desde 1994, foi declarado o vencedor com 80,1% dos votos — resultado rejeitado pela oposição, que vem convocando manifestações de rua desde então.
A principal líder da oposição, Svetlana Tikhanovskaya, pediu o fim da violência. Ela fugiu para a Lituânia depois de passar sete horas detida.
‘Eu queria me voluntariar’
“Eu só queria ser uma observadora independente para me certificar de que as eleições seriam honestas e transparentes”, diz Denisova.
Ela é advogada em Minsk, a capital de Bielorrússia. Quando ela submeteu na delegacia de polícia local um pedido para obter uma permissão especial para observar o processo de votação, ela não imaginava que seria presa.
“Não me permitiram ficar dentro do colégio eleitoral. Eu fiquei cinco dias no lado de fora registrando o número de pessoas que entrava e comparando com os dados oficiais divulgados pela comissão.”
Os observadores não podem conversar com eleitores que entram e saem, e nem podem registrar detalhes pessoais de cada um.
Ela diz que seguiu as regras à risca. “Sou advogada. A lei é importante para mim.”
‘Parem com essa fraude’
“Eu registrei uma grande fraude durante os cinco primeiros dias da eleição”, diz Denisova.
“Todos os dias eu mandei reclamações para o promotor público, para o chefe da Polícia e para a Comissão da Central de Eleição. Eu estava pedindo que eles pusessem um fim à fraude, porque isso é crime.”
Ela pediu que outros observadores independentes pudessem se juntar a ela no dia 9 de agosto, que é o principal dia da eleição.
Mas Denisova disse que sete deles foram presos e ela foi proibida pela chefe da comissão eleitoral de ficar do lado de fora do colégio.
“Ela disse ‘eu alertei você’. Eu me recusei a sair e ela chamou a polícia. Ela disse que eu era uma hooligan, que eu estava incomodando as pessoas de forma agressiva. Eles me levaram para a delegacia e me prenderam por três dias.”
‘Vou quebrar seus braços’
Natalia disse que ficou detida em condições horríveis por três dias, junto com outros manifestantes.
Ela foi a primeira a ser levada ao centro de detenção Okrestina, em Minsk.
“Okrestina. Todo mundo aqui conhece essa palavra agora. É o inferno na Terra”, ela conta.
“Você não pode ter nada pessoal. Nem mesmo uma escova de dente ou um pedaço de sabonete, ou nem mesmo água de beber.”
Ela ficou presa ali um dia inteiro sem receber comida. Quando um de seus companheiros de cela desmaiou, ela pediu ajuda, mas ninguém apareceu.
“Eu batia na porta berrando ‘precisamos de ajuda médica’. Um guarda veio e me disse: ‘se você gritar de novo eu vou quebrar os seus braços’.
“Eu fui humilhada em Okrestina”, diz ela. Em duas ocasiões ela teve que ficar nua e se submeter a inspeções intrusivas.
“Claro, é um trauma psicológico”, ela diz. Mesmo assim ela considera que teve sorte por ter sido transferida para outra cadeia no dia seguinte.
‘Eles torturam jovens mulheres’
Em Okrestina, Denisova dividiu sua cela com Maria Moroz, a chefe de campanha de Tikhanovskaya, a principal candidata da oposição.
“Ela é uma mulher muito corajosa. Brilhante. Eu tenho orgulho de que os belorrussos têm esse tipo de gente”, diz Denisova.
“Mas eu quero que você saiba que das oito mulheres na minha cela, quatro não foram soltas”, diz.
Denisova acredita que a situação em Okrestina está piorando: “Eles torturam pessoas. Eles torturam jovens mulheres. Eles não dão água ou comida para elas. Eles botam 50 pessoas em celas feitas para seis a oito pessoas.”
Ela diz que às vezes é impossível respirar porque fica quente demais. “Eles espancam as pessoas. Seus pais são mantidos do lado de fora. Eles conseguem ouvir as pessoas berrando enquanto estão sendo espancadas.”
O que dizem outras testemunhas
Os relatos de Natalia são semelhantes aos ouvidos por repórteres da BBC em Belarus. Até mesmo adolescentes disseram terem sido espancados.
“Eles batem nas pessoas com fúria, com impunidade, e eles prendem qualquer um. Fomos obrigados a ficar de pé no pátio a noite toda. Conseguíamos ouvir mulheres sendo espancadas. Eu não entendo essa crueldade”, disse um homem à BBC, mostrando ferimentos.
A Anistia Internacional disse que os detentos relataram terem tido suas roupas arrancadas, sido espancados e ameaçados com estupro.
“Ex-detentos nos disseram que os centros de detenção viraram câmaras de tortura, onde manifestantes foram obrigados a se deitar no chão sujo enquanto a polícia os chutava e os batia com cacetetes”, diz Marie Struthers, diretora da Anistia Internacional para Leste Europeu e Ásia Central.
Um áudio compartilhado por um jornalista da BBC revela berros gravados dentro de Okrestina.
Outro manifestante solto, o jornalista Nikita Telizhenko, publicou um relato assustador de pessoas deitadas no chão do centro de detenção, empilhadas umas nas outras, formando uma piscina de excremento e sangue.
Os detentos não podiam usar banheiros por horas e nem mudar de posição.
O ministro do Interior, Yuri Karayev, pediu desculpas aos que “foram machucados de forma não intencional” nas ruas, mas seu ministério negou que tenha havido tortura dentro dos centros.
O Ministério do Interior também diz que as medidas têm sido adequadas e proporcionais, ressaltando que mais de cem policiais foram feridos.
‘Por favor nos ajudem’
“Está acontecendo agora mesmo. Então eu peço que se qualquer um puder nos ajudar, governos, pessoas… Por favor nos ajudem de algum jeito”, diz Denisova.
“Eu não posso fazer nada. Eu só posso rezar pelas mulheres que ficaram lá.”
Depois de solta, Denisova tentou fazer o que pode por Maria Moroz e as demais que ainda estão presas em Okrestina.
“Ela estava com frio, ela estava sofrendo, mas eu pude levar-lhe algumas roupas.”
Em casa, o filho de seis anos de Natalia está sendo cuidado pelos pais dela. Ninguém falou para ele que sua mãe tinha sido presa, mas ele “chorava o tempo inteiro pedindo pela mãe”, diz Denisova.
‘Até uma criança de seis anos sabe’
Denisova disse que não falou a seu filho sobre a situação política do país e seu envolvimento com tudo. Mas dois dias antes de ser presa, ela disse que seu filho perguntou: “Mamãe, eles vão colocar você na cadeia?”.
“Eu não sei porque ele estava perguntando. Ele sentia o terror no ar. E ele estava certo. Eu disse para ele não se preocupar, mas é incrível o que ele sentiu. Até mesmo as crianças entendem o que está acontecendo.”
Fonte: BBC.