Na campanha virtual, o candidato democrata à presidência dos EUA, Joe Biden, prometeu controlar as tensões com o Irã, usando uma abordagem que, segundo ele, seria instantaneamente distinguível da de Donald Trump: a “maneira inteligente”.
Segundo o democrata, a abordagem linha-dura de Trump, retirando-se do acordo nuclear da era Obama entre o Irã e potências globais, o primeiro acumulando sanções punitivas e chegando perto da guerra, saiu pela culatra momentaneamente, deixando Teerã apenas a “alguns meses” de distância de ter material nuclear suficiente para uma bomba.
Biden afirmou que retornará ao acordo multipartidário de 2015 que limitou o programa nuclear do Irã, desde que Teerã também retorne ao cumprimento estrito, como um “ponto de partida para negociações subsequentes”. Porém, embora o presidente eleito tenha prometido oferecer ao Irã “um caminho confiável de volta à diplomacia”, a tarefa é repleta de complexidade e os conselheiros de Biden estão minimizando as expectativas de um acordo, conta o jornal The Financial Times.
Embora vários analistas digam que o acordo multilateral pode ser ressuscitado, é uma tarefa muito menos fácil do que reunir outros fóruns multilaterais abandonados por Trump, incluindo o acordo climático de Paris e a Organização Mundial da Saúde.
Obstáculos e possíveis soluções para um acordo
Casos os EUA levantem questões relacionadas com os mísseis balísticos iranianos ou seu apoio às milícias na região, que não constavam do acordo original, ou Teerã exija compensação pela retirada dos EUA do acordo, então as negociações se tornarão imediatamente mais difíceis.
“Assim que você começar a tentar abrir algo […] Você complica e, por definição, acaba em uma negociação mais longa, correndo o risco de, durante esse período, ver as coisas darem errado”, apontou Robert Malley, ex-diretor para assuntos do Oriente Médio na Casa Branca de Obama, que atualmente lidera o Grupo de Crise Internacional, referido no artigo.
Embora Biden provavelmente não concorde em pagar compensações ao Irã, ou remover imediatamente todas as sanções da era Trump, os observadores dizem que há algumas medidas significativas que o democrata poderia tomar rapidamente. Entre elas, o restabelecimento da isenção de sanções às exportações de petróleo iraniano, bem como a remoção da designação do Banco Central do Irã como financiador do terrorismo.
Em que devem mudar os EUA?
Desde que Trump abandonou o acordo há dois anos, os três signatários europeus, França, Alemanha e Reino Unido, tentaram mantê-lo vivo, e os assessores de Biden deixaram claro que trabalharão em uma abordagem conjunta com as potências europeias para que os EUA retornem ao Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA, na sigla em inglês).
O governo Biden poderia “no mínimo” remover os obstáculos colocados pelo governo Trump aos esforços europeus para manter os benefícios econômicos concedidos sob o acordo, garante Ellie Geranmayeh, especialista em Irã no think tank do Conselho Europeu de Relações Exteriores, citada pelo jornal. Isso inclui mecanismos existentes ou propostos para oferecer linhas de crédito a Teerã, apoiados pela produção de petróleo nacional, e financiamento comercial para negócios entre empresas europeias e iranianas.
O Irã aumentou sua atividade nuclear em resposta às medidas punitivas de Trump, mas Teerã insiste que está comprometido com o acordo. Analistas dizem que é possível prever medidas por parte de ambos os lados, voltando gradualmente a acordos de longo prazo, evitando assim comportamentos de confronto no Oriente Médio.
Deste modo, conclui-se que negociações sobre um acordo que cubra o programa de mísseis balísticos iranianos e o comportamento de Teerã a nível regional podem ser um caminho errado a tomar no início.
Haverá acordo provisório?
Muito vai depender de quem Biden nomeie como seu secretário de Estado. Enquanto Susan Rice, ex-embaixadora dos EUA na ONU, está entre aqueles que potencialmente prefeririam um retorno rápido ao acordo, o ex-vice-secretário de Estado, Bill Burns, e o senador norte-americano Chris Coons, que também estão cotados para o cargo, se contentam com algo menos ambicioso, como reduzir as sanções dos EUA em troca de o Irã limitar sua atividade nuclear.
Um terceiro grupo de democratas pressionaria para fortalecer o acordo, tentando abordar o programa de mísseis balísticos do Irã e seu comportamento regional. No entanto, Teerã disse anteriormente que não faria concessões sobre suas políticas regionais e estratégias militares, notadamente seu apoio ao Hezbollah, do Líbano, e ao programa de mísseis.
“O acordo [nuclear] está feito e selado […] Pertence ao passado e não pode ser reaberto para novas considerações”, afirmou Saeed Khatibzadeh, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã, na segunda-feira (9) citado o Financial Times. Da mesma forma, Khatibzadeh também indicou que o Irã poderia buscar compensação, algo que preocupa o governo eleito norte-americano.
Por enquanto, a vitória de Biden encorajou os políticos pró-reforma do Irã, que há muito defendem a distensão na política externa, principalmente antes das eleições presidenciais iranianas esperadas para junho do próximo ano.
Contudo, Sadegh Zibakalam, professor de política reformista da Universidade de Teerã, disse esperar que a linha dura do Irã ganhe a presidência do país, e em seguida entraria em negociações mostrando “flexibilidade heroica”, período utilizado em 2013 para justificar negociações nucleares para seus apoiadores radicais.
“A vitória de Biden não levará à vitória das forças reformistas ou moderadas”, esclarece Zibakalam. A linha dura do Irã “não pode se dar ao luxo de desistir de suas posições anti-EUA […] Mas há perspectiva de negociações”, afirmou.
Irã não se preocupa mais com sanções
Em última análise, dada a longa lista de prioridades domésticas, a equipe de Biden tem pouca capacidade para iniciativas complexas de política externa. E Trump ainda pode usar suas semanas restantes no cargo para introduzir mais sanções.
Porém, o ministro do Petróleo do Irã, Bijan Namdar Zanganeh, que a administração Trump colocou em sua longa lista de sanções no mês passado, descartou essa possibilidade, pois segundo ele, “nada [significativo] resta para ir à lista de sanções […] a menos que sancionem nossos colegas do setor de serviços [motoristas, zeladores, faxineiros] e aqueles que trabalham na cozinha […] Não temos medo de suas sanções nem pensamos que tenham qualquer impacto em nosso trabalho”, afirmou em uma conferência de energia em Teerã na segunda-feira (9) e citado pela mídia.
Até tomar oficialmente o seu lugar na Casa Branca, Biden terá de planejar com prudência suas decisões de política externa para com o Irã, mas nunca esquecendo que até lá, Trump poderá jogar mais algumas cartas inesperadas.