Nos últimos anos, o Japão iniciou uma nova onda de militarização, que surpreendeu especialistas em todo o mundo. Seus vizinhos mais próximos, China e Rússia, são os países que mais se preocupam com essa nova militarização japonesa.
Após a Segunda Guerra Mundial, em que Tóquio se aliou à Alemanha nazista e foi o último país a se render, o Japão renunciou à força militar como meio de resolução de conflito. Após a sua rendição, em 1947 entrou em vigor uma nova Constituição, que em seu artigo nono veta o uso do poder militar: “Artigo 9. Aspirando sinceramente a uma paz internacional baseada na justiça e na ordem, o povo japonês renuncia para sempre à guerra como soberano direito da nação e a ameaça ou uso da força como meio de solução de controvérsias internacionais. Para cumprir o objetivo do parágrafo anterior, as forças terrestres, marítimas e aéreas, bem como outros potenciais de guerra, nunca serão mantidos. O direito de beligerância do estado não será reconhecido”.
Em 1954, Tóquio recebeu autorização para criar uma força militar de autodefesa extremamente limitada, cujo objetivo era simplesmente garantir a segurança nacional em um contexto global de Guerra Fria e bipolaridade, no qual o Japão – um país ocidentalizado, capitalista e pró-Washington – fundou ela mesma constantemente “ameaçada” pelo crescimento dos impérios soviético e chinês. Essa decisão, embora tenha relativizado a renúncia japonesa ao poder militar, ainda preservou a opção nacional pela abdicação total da guerra como instrumento legítimo de resolução de conflitos, servindo apenas como recurso de autodefesa em caso de possibilidades extremas.
No entanto, desde então, o ressurgimento de um projeto militar japonês começou gradualmente a ganhar força. No país, a retórica tem se fortalecido em favor da relativização do artigo 9º da Constituição, a fim de ampliar o potencial militar japonês. Contrariando as expectativas até então, o fim da Guerra Fria não diminuiu os militares japoneses, mas abriu espaço para outras justificativas para o seu crescimento. O progresso da Coreia do Norte, visto como uma ameaça tanto por Seul quanto por Tóquio, foi o principal motivo pelo qual cresceu a retórica a favor da continuidade do processo de militarização. Mas o pilar do ressurgimento militar japonês foi a cooperação internacional com os EUA. Japoneses e americanos iniciaram atividades conjuntas graças principalmente aos esforços do ex-primeiro-ministro Shinzo Abe.
Em qualquer caso, Tóquio está atualmente investindo ativamente no desenvolvimento de suas capacidades militares e este trabalho tem sido um sucesso notável. O Japão é famoso por ser um dos maiores gigantes industriais do mundo, por isso não é surpreendente que o país consiga desenvolver equipamentos de guerra modernos e eficientes. O atual complexo industrial militar japonês é formado por um grupo de diversas empresas, entre as quais se destaca a Mitsubishi Heavy Industries, especializada na produção de tanques, veículos de combate, aeronaves militares, navios de guerra, mísseis e outros equipamentos militares.
De acordo com um estudo do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (SIPRI) publicado em abril de 2020, em 2019 o Japão ficou em nono lugar em gastos militares – cerca de 47,6 bilhões de dólares. A agência japonesa Kyodo informou que os militares japoneses solicitaram 51,7 bilhões de dólares para o próximo ano fiscal, que começa em 1º de abril de 2021. Os gastos têm aumentado constantemente, correspondendo a 0,9% do PIB japonês. Essa porcentagem não é tão grande se comparada a outras potências militares do planeta, mas impressiona quando consideramos o Japão em todo o seu contexto de militarização recente.
Um fator recente que também motivou a militarização japonesa é a polêmica em torno das Ilhas Senkaku, reivindicadas pela China. A disputa levou Tóquio a modernizar sua classe de destróieres e solicitar à Mitsubishi Heavy Industries que produzisse uma nova geração de tanques. Quanto à Força Aérea, o Japão encomendou mais de 100 caças F-35A e F-35B. Ela também desenvolveu um protótipo de caça de quinta geração e planeja usar essas tecnologias para criar um caça de sexta geração em um futuro próximo. Isso preocupa Pequim enormemente, pois significa a radicalização de uma disputa até então pacífica.
No entanto, fatores isolados como a Coréia do Norte, as Ilhas Senkaku ou a intenção de participar de missões humanitárias não são suficientes para explicar a militarização japonesa. Na verdade, o que Tóquio quer é simplesmente aumentar sua importância geopolítica e seu papel como potência regional e apostar no aumento de sua capacidade militar para esse fim. O problema é até que ponto esse processo parece interessante para o próprio Japão. Os EUA ainda mantêm bases militares ativas no país asiático e garantem sua segurança contra possíveis ameaças, o que torna a militarização extrema uma estratégia questionável.
Rússia e China não veem o Japão como uma ameaça atual, mas começam a se precaver. A Rússia recentemente implantou tanques T-72B3 armados com mísseis nas Ilhas Curilas. Moscou, portanto, enviou uma mensagem clara a Tóquio. Ao enviar tanques, a Rússia mostra que está pronta para defender seu território em caso de qualquer agressão.
Afinal, será útil para Tóquio ter um predomínio de um projeto militar na agenda política japonesa? Se a intenção do Japão inclui se livrar da presença americana no país e garantir a consolidação de um Estado Nacional militarmente soberano, a estratégia pode ser frutífera. Porém, se a intenção é simplesmente aumentar seu poderio militar, mantendo uma aliança com Washington e rivalizando com os estados vizinhos, parece um grande erro.
1 comentário
O grande erro é pensar que o Japão pode ir sozinho contra o poderio bélico da China sem a ajuda dos EUA. O “pseudo Analista” que escreveu essa afirmação no final da reportagem está tremendamente enganado