A nova variante do vírus SARS-CoV-2 encontrada no Brasil pode gerar ainda mais complicações no enfrentamento da pandemia no país. A Sputnik Brasil ouviu um epidemiologista que explicou os possíveis desdobramentos e o que se sabe sobre as variantes do vírus.
Na quinta-feira (28), o ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, afirmou em entrevista à TV Cultura que a nova variante do vírus que causa a COVID-19, encontrada em Manaus, pode desencadear uma “mega epidemia” no Brasil em 60 dias.
Diante da nova cepa encontrada no Brasil, diversos países estão fechando suas fronteiras para brasileiros e viajantes que tenham passado pelo país. A nova variante foi detectada pela primeira vez no Japão, em 9 de janeiro, em pessoas vindas de Manaus, onde um recente pico da COVID-19 levou ao colapso do sistema de saúde local.
Para César Gomes Victora, médico epidemiologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a posição do ministro é preocupante e motivo de alerta, mas que ainda é cedo para saber com certeza quais serão os efeitos das novas variantes sobre a pandemia.
“É uma possibilidade, pode ser, principalmente se a imunidade conferida pela primeira variante, nas pessoas que já tiveram COVID-19, não for altamente efetiva contra a variante nova. Então, realmente nós podemos ter mais mortes e mais disseminação, mas, ainda é cedo para saber”, avalia o epidemiologista em entrevista à Sputnik Brasil.
O médico explica que todos os vírus conhecidos apresentam mutações e novas variantes ao longo do tempo, sendo que o vírus que causa a COVID-19 já teria algumas bem conhecidas.
“O novo coronavírus, ou SARS-CoV-2, como nós chamamos, apresenta pelo menos três variantes já bem conhecidas. A inglesa, a da África do Sul e a brasileira, que foi detectada incialmente no Japão em pessoas que foram de Manaus para o Japão”, afirma.
O médico alerta, no entanto, que os cientistas ainda conhecem “muito pouco” sobre as variantes do novo coronavírus e destaca que uma delas foi mais bem estudada.
“A mais bem estudada é a inglesa, que mostra que ela se dissemina rapidamente, tem mais poder de se transmitir na população do que a variante original do coronavírus. […] Ela se dissemina e ela tende a controlar, a ser a variante predominante porque ela consegue ocupar o espaço que antes estava sendo ocupado pela variante original que apareceu na China”, aponta.
O médico acrescenta que estudos preliminares dizem que a variante inglesa pode ter uma letalidade maior, o que ainda precisa ser confirmado. Já em relação às variantes brasileira e sul-africana, ainda há pouca informação confirmada, apesar de que já se sabe que elas são provavelmente mais infecciosas.
“O grande xis da questão é se aquela pessoa que teve a variante original e achava que estava protegida porque já tinha apanhado a doença, se essa pessoa pode ser infectada novamente pela variante nova. E temos alguns casos já relatados, inclusive no Brasil, de que isso ocorre, mas nós não temos ideia do percentual de proteção que uma infecção contra o COVID-19 original daria em relação à nova variante”, ressalta o epidemiologista.
Victora explica ainda que essa mesma questão está posta em relação às vacinas contra a COVID-19. Segundo o médico e pesquisador, já há evidências em alguns imunizantes de que há proteção contra as novas variantes do vírus, mas talvez não tanto quanto a variante original.
Cuidados devem ser mantidos e Brasil paga por ‘falta de visão’
Diante dessa nova realidade, o epidemiologista esclarece que as medidas individuais de cuidado já difundidas continuam sendo as melhores para a proteção coletiva, e lamenta a falta de ação do governo federal sobre a questão.
O Brasil foi recentemente classificado pelo think tank australiano Lowy Institute como o pior colocado na gestão da pandemia, entre 98 países pesquisados.
“O que acho mais importante é que, seja qual for a variante, lavar as mãos, ficar em casa e usar máscara funciona. E é uma enorme lástima que o nosso governo federal não esteja disseminando essas informações e não esteja dando o exemplo que deveria estar dando para a população brasileira, realmente é uma vergonha”, afirma.
Para o epidemiologista César Gomes Victora, a falta de preparo e investimento deixou o país vulnerável diante do impacto da pandemia. O Brasil é hoje o segundo país com mais mortes pela COVID-19 com mais de 222 mil mortes, segundo os dados da Universidade Johns Hopkins.
“O que chama atenção é que o Brasil deixou de investir em ciência e tecnologia por muitos anos e agora está pagando esse preço. Nós temos vacina chinesa, nós temos vacina indiana, nós temos vários países que estão fazendo vacina e o Brasil fica dependente da importação. Isso é a falta de visão dos nossos governantes, que não investiram em ciência e tecnologia e o país não estava preparado para enfrentar um desafio tão crítico quanto a pandemia da COVID-19”, conclui.