As forças rebeldes da região do Tigray estão vencendo a guerra que irrompeu um ano atrás no norte da Etiópia.
O primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, que rompeu com o partido governista do Tigray após suas reformas políticas, declarou estado de emergência em todo o país, onde agora reinam o medo e a incerteza.
À medida que os rebeldes avançam rumo à capital Addis Ababa, o governo pede aos moradores da cidade que se mobilizem e protejam suas vizinhanças.
Os combatentes do Tigray, liderados pela Frente de Liberação Popular do Tigray (FLPT), tomaram as cidades de Dessie e Kombolcha. Elas ficam na região de Amhara, vizinha ao Tigray, a cerca de 400 km de Addis Ababa.
Acredita-se que a batalha de Dessie tenha sido uma das mais violentas da guerra, pois a cidade é considerada o portal para Addis Ababa, no sul, e está próxima da fronteira com o Djibuti, a leste.
Um funcionário do principal hospital de Dessie antes da tomada pelos combatentes afirmou que a cidade havia sofrido mudanças dramáticas nos últimos meses, à medida que os combates se acirravam na região.
Pedindo para não ser identificado, ele contou à BBC que Dessie era conhecida como a “capital do amor” devido à sua miscigenação cultural e étnica – um centro econômico próspero.
Mas, nos últimos meses, milhares de pessoas chegaram, fugindo do avanço dos rebeldes.
“No caminho entre a minha casa e o trabalho, crianças pequenas puxavam minhas calças pelas pernas pedindo dinheiro para comprar pão”, ele conta.
Ele e mais de uma dezena de colegas abandonaram o hospital quando viram os soldados do governo saírem da cidade.
Ele agora está em Addis Ababa, onde Tewodrose Hailemariam, um dos principais membros do Movimento Nacional de Amhara (NaMA, da sigla em inglês), está mobilizando as comunidades para enviar combatentes para impedir o avanço dos rebeldes e também fornecer auxílio aos deslocados.
Ele afirma que o seu partido acredita que a real motivação da FLPT é o retorno ao poder.
A FLPT liderou o país por 27 anos até 2018, quando foi substituída pelo governo do primeiro-ministro Abiy.
“Existem duas opções: ou a FLPT é derrotada e o governo central da Etiópia é mantido, ou o pior cenário: a FLPT controla Addis Ababa e toma o poder. Neste caso, haverá uma guerra civil em todo o país”, segundo Tewodrose contou à BBC.
Os cidadãos do Tigray ‘estão encurralados’
Para os cidadãos do Tigray que vivem em Addis Ababa, a queda de Dessie aumentou a tensão étnica na capital.
Uma advogada do Tigray que vive em Addis Ababa afirma que a capital não é mais “a cidade onde nasci e cresci”. A polícia vem encurralando os cidadãos do Tigray em incursões em residências, cafés e bares – e até durante verificações de identidade em táxis e ônibus, segundo ela.
Entre outros casos nesta semana, a BBC tomou conhecimento de um grupo que foi detido enquanto jantava em um restaurante.
“Se você for do Tigray, não há defesa. Você é preso. A prisão é feita por razões de etnia”, segundo um morador.
Um porta-voz da polícia de Addis Ababa afirmou que as prisões somente foram feitas após a obtenção de provas de atividades ilegais. Ele confirmou que a maioria das pessoas presas era de cidadãos do Tigray, mas afirma que membros de outros grupos étnicos também foram detidos.
Os rebeldes afirmam que o objetivo do seu avanço é forçar o governo a pôr fim a um bloqueio sobre a região norte do Tigray, que precisa de assistência e teve o fornecimento de energia e os serviços bancários suspensos.
Desde maio, a ONU adverte que 400 mil pessoas estão à beira da fome naquela região.
Depois que a FLPT expulsou o Exército da capital do Tigray, Mekelle, em junho, as agências de assistência afirmam que enfrentam bloqueios nas estradas que levam para a região, enquanto restrições de dinheiro e combustível dificultaram o transporte de auxílio de emergência para mais de 5 milhões de pessoas necessitadas.
Depois de elaborar um plano inicial de negociações com o governo de Abiy Ahmed, as forças do Tigray, incentivadas pelas suas vitórias militares nas regiões de Amhara e Afar nos últimos meses, agora dizem que não irão negociar.
Tsadkan Gebretensae, ex-general do Exército e comandante das forças do Tigray, afirma que a guerra está quase no fim e que o próximo passo será um diálogo nacional pós-Abiy.
“Nós nunca pretendemos solucionar a complexidade política do país com base apenas nas nossas condições. Nós vamos criar uma plataforma para reunir todos os interessados e discutir o futuro do país”, disse ele para a televisão do Tigray.
Pais surpresos
A crise humanitária do Tigray permanece séria – como se pode observar em vídeos do Hospital de Referência Ayder da capital Mekelle, onde o choro de Eden Gebretsadiq, de um ano de idade, submetida a alimentação por sonda, ecoa pelos corredores.
“No início, eu não sabia que isso era causado pela falta de comida. Agora eles nos disseram que ela está desnutrida”, conta, surpresa, sua mãe, Hiwote Berhe, enquanto tenta confortá-la.
“Meu marido tinha um emprego, e eu cuidava das crianças em casa. Nós criávamos bem nossos filhos. Eles tinham boa comida e estavam sempre bem vestidos”, conta ela.
Em outra cama está Mebhrit Giday. Suas pernas têm aparência muito magra e seu pai, Gidey Meresa, cuidadosamente a senta para comer uma banana.
Meresa afirma que eles viajaram mais de 100 km para chegar ao hospital desde a sua cidade de Kola Tembien, na zona rural, que presenciou alguns dos combates mais intensos quando as tropas do governo estavam no Tigray.
Muitos moradores foram forçados a fugir para as montanhas. Quando eles voltaram após a expulsão do exército e de seus aliados, suas casas haviam sido queimadas e seus bois e burros, roubados.
“Tudo isso aconteceu – e nós aceitamos. Mas a minha filha ficou muito doente – antes, ela era bem saudável”, afirma ele. Os médicos disseram a Meresa que a menina com 11 anos de idade tinha problemas cardíacos, provavelmente causados por desnutrição.
Estas são vozes raras do Tigray – fornecidas clandestinamente por profissionais médicos para a BBC.
O bloqueio dos serviços de telecomunicações e internet significa que a rede é irregular e é inacreditavelmente difícil conversar com as pessoas daquela região. Como muitos outros órgãos de imprensa, a BBC teve seu acesso à região bloqueado.
Ameaças fracassadas
Em recente visita à Etiópia, o presidente da Cruz Vermelha Internacional, Peter Maurer, não conseguiu visitar as zonas de conflito.
“No momento, não conseguimos ver a luz no fim do túnel”, disse Maurer à BBC.
“Quanto mais cedo encontrarmos uma solução política que nos leve ao fim desse conflito, melhor – porque, não vamos nos iludir, mesmo se o conflito acabar amanhã, ainda teremos centenas de milhares de pessoas deslocadas e necessidades enormes”, segundo Maurer.
Os Estados Unidos, a ONU e a União Africana vêm clamando por negociações.
As ameaças de sanções e mesmo a anunciada retirada da Etiópia de um acordo comercial importante pelos Estados Unidos não foram suficientes para mudar o curso dos conflitos.
William Davison, analista da ONG International Crisis Group, acredita que o oferecimento de concessões seria do interesse do governo – suspendendo restrições de acesso à assistência e restaurando os serviços vitais para o Tigray.
“Os protagonistas internacionais deveriam também convocar a liderança do Tigray a demonstrar o máximo de contenção, pois não apenas eles precisam dar ao primeiro-ministro Abiy Ahmed uma oportunidade final de mudar de curso, mas uma tentativa rápida de marchar sobre Addis Ababa provavelmente levaria ao aumento da violência e desestabilização para todos”, declarou ele à BBC.
Ainda assim, Abiy, que ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 2019 por finalmente pôr fim à guerra com a vizinha Eritreia, não parece estar disposto a fazer concessões.
Enquanto a Etiópia completava um ano em guerra, o líder com 45 anos de idade continuava a convocar seus compatriotas a dirigir-se às linhas de combate ou apoiar os esforços de guerra.
“Nós sepultaremos esse inimigo com a nossa vida e o nosso sangue e elevaremos novamente a glória da Etiópia”, segundo ele.
Fonte: BBC.