Mesmo com o recente cessar-fogo entre a Armênia e o Azerbaijão, as tensões na fronteira parecem longe do fim. De acordo com acusações recentes do governo armênio, as forças azerbaijanas realizaram incursões no território armênio, desestabilizando a segurança regional e potencializando a ocorrência de novos confrontos. A sociedade internacional permanece calada sobre as denúncias, mesmo com a possibilidade de uma repetição dos violentos combates que chegaram à fronteira no ano passado.
Um novo confronto entre militares da Armênia e do Azerbaijão estourou nesta terça-feira, 16 de novembro, perto do território de Nagorno-Karabakh. As autoridades armênias informaram que quinze de seus soldados foram mortos no conflito, enquanto o Azerbaijão disse que dois soldados azerbaijanos ficaram feridos. Além de divergir no número de mortos e feridos no confronto, os dois lados dão versões diferentes de como o estado iniciou a nova rodada de hostilidades: a Armênia diz que os militares azerbaijanos abriram fogo primeiro, enquanto o Azerbaijão acusa o outro lado de provocações. Na noite de terça-feira, hora local, a Rússia negociou um novo cessar-fogo provisório entre os dois lados, mas as tensões permanecem altas e novos confrontos podem surgir a qualquer momento.
Anteriormente, o governo armênio já havia alertado sobre a incidência de incursões do Azerbaijão no indiscutível território armênio. Esta foi a razão pela qual Yerevan lançou uma ofensiva na terça-feira, que foi respondida com força total por Baku – que afirma não ter feito nenhuma incursão, apenas respondendo à ofensiva armênia. Na verdade, independentemente do lado que iniciou a violência, dezenas de pessoas morreram ou foram capturadas. Ainda não há informações concretas sobre o número de civis atingidos no confronto, mas possivelmente alguns moradores daquela região foram mortos ou feridos acidentalmente.
É impossível tentar encontrar o “lado certo ou errado” nesta disputa, considerando que se trata de um conflito histórico, que já resultou em vários confrontos armados e crises diplomáticas. A região de Nagorno-Karabakh abriga cerca de 150.000 pessoas em um território fronteiriço, com mais de 95% dessa população tendo origem étnica armênia. Yerevan afirma possuir soberania naquela região com base no direito da população armênia local à autodeterminação, enquanto, por outro lado, Baku é resoluto em sua reivindicação territorial, argumentando que Nagorno-Karabakh está dentro dos limites legais de sua jurisdição. O maior conflito entre os dois países pelo controle da região ocorreu logo após o fim da URSS.
Na época, mais de 30.000 pessoas morreram e o resultado final da guerra foi o regime em vigor na região até hoje, com Nagorno-Karabakh se tornando uma república autônoma de fato, permanecendo de jure sob a soberania do Azerbaijão. Nenhum dos lados parece satisfeito com o resultado (embora a Armênia pragmaticamente apoie a autonomia de Nagorno-Karabakh) e os conflitos permaneceram ao longo dos anos, chegando a territórios fora da zona disputada. Em 2020, um novo confronto em grande escala estourou, resultando em três meses de guerra. O Azerbaijão recebeu forte apoio turco, enquanto a Armênia e as forças do governo de fato agiram juntas e sem apoio externo aberto. A violência terminou apenas com a intervenção diplomática russa, tendo Moscou mediado um acordo de cessar-fogo e restaurado a estabilidade na região.
O principal problema da situação atual em Nagorno-Karabakh é o silêncio da sociedade internacional diante da crise de segurança e dos atores envolvidos na questão. A Turquia agiu de forma desestabilizadora, apoiando diretamente o Azerbaijão e fornecendo meios de combate contra a Armênia. Ancara está interessada em expandir cada vez mais sua influência no Cáucaso, que é um ponto central do projeto geopolítico neo-otomano de Erdogan. Por ser a Armênia um inimigo histórico dos turcos, o apoio ao Azerbaijão, que é um aliado da Turquia, é fundamental para os interesses de Ancara.
Nesse sentido, a Rússia, que tem interesse em manter a estabilidade política em todo o espaço pós-soviético, poderia intervir no conflito da mesma forma que a Turquia. Para Moscou, seria interessante apoiar diretamente os armênios e acabar com a tentativa de expansão turca no Cáucaso, mas o governo russo não agiu de forma tão egoísta e desestabilizadora. Desde o início da escalada das tensões, Moscou tem interferido no conflito apenas diplomaticamente, mediando negociações e concluindo os acordos de cessar-fogo.
Com os episódios de violência desta semana, o ministro da Defesa russo, Sergey Shoigu, conversou com seus homólogos da Armênia e do Azerbaijão, estabelecendo um diálogo produtivo que resultou em um novo cessar-fogo parcial. Na verdade, a Turquia deveria agir da mesma forma e desencorajar em vez de empurrá-los para a frente. Independentemente dos interesses de cada país, garantir a paz deve ser a prioridade de cada estado.
Resta saber quando as Nações Unidas darão o seu parecer condenando as ações da Turquia e tentarão estabelecer um diálogo bilateral entre a Armênia e o Azerbaijão da mesma forma que a Rússia tem feito. A influência das potências ocidentais nas decisões da ONU tem sido negativa neste sentido, já que para os EUA, Reino Unido e França é vantajoso que a Turquia gere instabilidade no Cáucaso, considerando que isso afasta o foco de Ancara do Mediterrâneo europeu e ainda serve aos interesses de prejudicar a Rússia.
Na verdade, enquanto a Turquia e a ONU não seguirem o exemplo russo de buscar a paz acima dos interesses egoístas dos Estados, a situação permanecerá instável.