Enquanto termina de almoçar em um aconchegante café na capital de Gotland, Visby, Henrik Hellvard relembra a época em que prestou o serviço militar obrigatório na ilha sueca, décadas atrás, quando aprendeu a “lutar contra o inimigo”.
“Eram sempre os russos”, ri o sueco. “Apontávamos nossas armas e conversávamos sobre os russos.”
Sempre houve um bom motivo para praticar a defesa na maior ilha sueca, de grande importância geoestratégica. Quem conquistar Gotland, no Mar Báltico, ganha o controle do espaço aéreo e marítimo para a Estônia, Lituânia, Letônia e Finlândia.
Os russos não tentaram, de fato, tomar Gotland (a não ser durante uma ocupação de poucas semanas no início do século 19). Pelo contrário, com o final da Guerra Fria, o governo sueco avaliou que suas relações com Moscou eram suficientemente sólidas e decidiu desarmar completamente a ilha. Em 2005, já não havia mais unidades militares permanentes no local.
Contudo, três anos mais tarde, a Rússia atacou a Geórgia. Niklas Granholm, diretor de estudos da Agência de Pesquisa de Defesa da Suécia, avalia que a reação do Ocidente foi branda demais para servir como dissuasão.
“O alarme voltou a soar, mas nós apertamos o botão de ‘soneca’ e voltamos a dormir”, afirmou à DW.
Somente em 2016, dois anos após a anexação ilegal por Moscou da Península da Crimeia, no Mar Negro e parte do território da Ucrânia, o governo sueco decidiu enviar soldados e tanques de volta a Gotland.
“O fato de a Rússia estar preparada para usar força militar contra seus vizinhos menores mudou nossa avaliação por aqui”, explicou Granholm.
‘Prontos para defender a Suécia’
Essa mudança de avaliação ganhou ritmo nos últimos meses, desde que a Rússia passou a estacionar soldados na fronteira com a Ucrânia. Navios de guerra russos vêm realizando exercícios no Mar Báltico. O ministro sueco da Defesa, Peter Hultqvist, diz que um ataque russo ao país escandinavo não pode ser descartado.
“Há 100 mil soldados em torno da Ucrânia. Os russos têm acesso militar total e imediato a partir de Belarus. Temos um histórico de ataques híbridos à Lituânia e à Polônia, e temos uma linguagem bastante brutal vinda do Kremlin”, explicou o ministro.
“Isso tem um impacto real na situação da segurança como um todo. O que queremos fazer agora é deixar claro que estamos prontos para defender a Suécia, e em razão disso, também fazemos o que estamos fazendo na ilha de Gotland.”
Entretanto, o que a Suécia não vem fazendo é se apressar em mudar seu status de país não aliado à Otan. O próprio Hultqvist é contra. Ele afirma que isso não é necessário, uma vez que Estocolmo faz parte de cerca de 20 acordos de cooperação de defesa com outros países, incluindo os Estados Unidos. Além disso, a Suécia possui garantias de segurança junto à União Europeia (UE), e um “relacionamento muito profundo” com a vizinha Finlândia, diz.
“Estamos preparados para uma situação na qual precisaríamos de interoperabilidade e da possibilidade de trabalhar com outros países”, disse o ministro à DW. “Se algo acontecer aqui em nossa região, todos os países daqui sofrerão um impacto direto, assim como a Otan, por isso, temos de lidar com a situação juntos.”
Ser um bom vizinho não basta?
Pal Jonson, presidente do Comitê Parlamentar de Defesa, tenta conseguir junto a seus colegas legisladores formar uma maioria a favor de uma adesão da Suécia à Otan. Ele adverte que, sem isso, o país escandinavo não pode contar com uma iniciativa da aliança atlântica de agir em sua defesa.
“Podemos esperar, podemos presumir, podemos desejar receber o apoio da Otan, mas não poderemos ter certeza até aderirmos à aliança”, afirmou à DW. “Podemos ter cooperação em defesa, mas isso é algo quantitativamente diferente de sermos um membro da aliança. Isso é crucial para a Suécia, porque nosso ambiente de segurança se deteriorou gravemente nos últimos anos.”
Jonson menciona como ameaças o aumento dos ataques cibernéticos, desinformação, propaganda política e investimentos estrangeiros diretos em infraestruturas críticas do país. Ele acredita que, como resultado, a população sueca mudou “significativamente” sua visão sobre a Otan nos últimos anos.
“Hoje, um terço da população apoia a adesão à Otan, um terço das pessoas estão indecisas e um terço é contra”, diz o parlamentar. “Dessa forma, as coisas caminham a nosso favor.”
Granholm, por sua vez, acredita que se o presidente russo, Vladimir Putin, agisse no Mar Báltico, a Suécia rapidamente pediria a adesão à Otan. “E algum tipo de coalizão pró-Otan se formaria de modo bem rápido”, diz.
Fim imprevisível
Mas, por hora, até mesmo Granholm, que há muito acompanha as ações de Moscou, não se arrisca a fazer previsões sobre as próximas ações do Kremlin.
“É um pouco como um jogo, no qual um dos motoristas – nesse caso, a Rússia – jogou o volante pela janela”, afirma. “Então, estamos, infelizmente, rumo a algum tipo de colisão, a meu ver.”
Questionado sobre que tipo de colisão seria essa, ele diz que isso é algo imprevisível. “Uma vez iniciado um conflito, todas as apostas são canceladas. Ninguém sabe realmente como vai acabar.”
Enquanto isso, em Gotland, Henrik Hellvard compra móveis para sua residência de verão. Ele diz não estar preocupado, mas admite estar um pouco menos otimista no cenário atual do que há seis meses, quando comprou o imóvel.
“Na Suécia, não estamos acostumados com os militares tão visíveis”, afirmou. Ao mesmo tempo, ele diz que o espectro russo sempre pairou sobre a ilha. “O medo dos russos sempre esteve presente, desde que eu era criança. Então, na verdade, não há nada de novo.”
Fonte: DW.