O irmão de Dahir morreu de fome. Agora, duas de suas irmãs enfrentam problemas de saúde e desnutrição.
O jornalista Andrew Harding, da BBC, voltou à cidade de Baidoa para visitar novamente esta família, forçada a fugir da pior seca da Somália em 40 anos, enquanto as autoridades pedem à comunidade internacional que reconheça a crise de segurança alimentar como uma emergência de fome.
Dahir, de 11 anos, abre caminho entre um aglomerado crescente de cabanas improvisadas na fronteira de Baidoa, em direção a uma escola com telhado de zinco perto da estrada principal.
Ele está usando a única calça e camisa que tem, e segurando seu outro bem — um livro didático novo.
O único professor da escola, Abdullah Ahmed, de 29 anos, escreve os dias da semana em inglês no quadro, enquanto Dahir e talvez 50 colegas de turma recitam: “Sábado, domingo, segunda…”.
Por alguns minutos, uma explosão de interesse revigora as crianças, mas logo os bocejos e as tosses recomeçam— sinais da fome e das doenças que ecoam, como uma trilha sonora sombria, pelo planalto de terreno rochoso nos arredores de Baidoa, cidade que se tornou um refúgio nos últimos meses para centenas de milhares de pessoas que tentam escapar da pior seca a atingir a Somália em 40 anos.
“Acho que pelo menos 30 dessas crianças não tomaram café da manhã. Às vezes, elas vêm até mim contar que estão com fome”, diz Ahmed.
“Elas têm dificuldade para se concentrar e até mesmo para vir à aula.”
Seis semanas antes, em nossa outra visita a esta região no sul da Somália, Dahir estava sentado, aos prantos, ao lado da mãe, Fatuma, na entrada da frágil cabana improvisada da família.
Alguns dias antes, seu irmão mais novo, Salat, havia morrido de fome após a viagem que fizeram para Baidoa, deixando para trás a zona rural duramente castigada pela seca.
Salat foi enterrado a poucos metros de distância. Agora, seu túmulo está cercado por cabanas construídas pelos recém-chegados.
“Estou preocupado com minhas irmãs. Lavo para elas. Lavo os rostos delas também”, diz Dahir, olhando para Mariam, de seis anos, que tem uma tosse rouca e reclama de dor de cabeça, e depois para Malyun, de quatro anos, com os olhos profundos, sentada em estado letárgico sobre os joelhos da mãe.
“Ela está quente. Acho que está com sarampo. As duas podem estar com sarampo”, diz Fatuma, colocando a mão na testa de Malyun.
Casos de sarampo e pneumonia se espalharam por Baidoa nos últimos meses, matando muitas crianças pequenas, cujos sistemas imunológicos foram enfraquecidos pela desnutrição.
No hospital provincial de Baidoa, médicos e enfermeiras se movimentam entre os leitos no centro de terapia intensiva, colocando acessos para soro nos bracinhos magros dos bebês e catéteres para oxigênio em suas pequenas narinas.
Os membros de várias crianças estão escuros e cheios de bolhas — como se fossem queimaduras graves —, uma reação dolorosa à fome prolongada.
“Recebemos mais alguns suprimentos [de ajuda humanitária]. Mas ainda não o suficiente”, diz Abdullahi Yusuf, médico-chefe do hospital.
“O mundo está prestando atenção à seca da Somália agora. Vemos visitas de doadores internacionais. Mas isso não significa que estamos recebendo apoio suficiente. Espero que chegue em breve. É uma situação desesperadora.”
Seis semanas antes, ele descreveu a situação como “aterrorizante”. Hoje, ele reconhece uma ligeira queda no número de internações, mas explica que isso provavelmente se deve a alguns dias de chuva que afetaram algumas estradas de terra e levaram algumas famílias a se concentrarem em tentar plantar, em vez de levar crianças doentes para o hospital.
A situação está ‘piorando’
De volta ao acampamento, Fatuma carrega um galão de plástico com água de uma torneira comunitária. Dahir sai da cabana para ajudá-la a limpar uma tigela de metal surrada, enquanto suas filhas doentes estão deitadas, cansadas, dentro da cabana.
“Meu menino é uma grande ajuda. Ele faz muita coisa para ajudar as meninas”, diz Fatuma.
Enquanto ela ferve a água, o telefone toca. É seu marido, Adan Nur, de 60 anos, que está ligando da casa deles, localizada em um vilarejo a três dias de caminhada, em um território controlado pelo grupo extremista islâmico al-Shabab.
“Ele diz que plantou sorgo. Está bem. E voltará em breve. Mas perdemos todo o nosso gado. Não há como vivermos apenas das colheitas, então ficarei aqui. Nosso modo de vida acabou”, diz Fatuma após encerrar a ligação.
A decisão dela é respaldada pelas opiniões de muitos especialistas, que alertam que esta estação chuvosa parece ser mais uma de “fracasso”, assim como as últimas quatro — espalhando um leve toque verde pelo deserto fora de Baidoa, mas sem ter um impacto real na crise.
“Ainda está piorando. Muitas pessoas ainda vêm aqui em busca de comida, segurança e água. E muitas crianças estão morrendo de desnutrição. Fazemos um apelo [ao governo e à comunidade internacional] que considerem a situação… como uma emergência de fome”, disse o prefeito de Baidoa, Abdullah Watiin, ao sair brevemente de uma reunião da comunidade em um complexo fortemente vigiado.
Dentro do recinto, um general do exército alerta a população local sobre a crescente ameaça do grupo al-Shabab, dizendo aos moradores para ficarem atentos a artefatos explosivos e emboscadas.
A expectativa é de que as tropas do governo e milícias ampliem uma ofensiva que parece ter tido algum sucesso mais ao norte, mas que corre o risco de dificultar ainda mais o acesso a algumas comunidades rurais que foram mais atingidas pela seca.
No fim do dia, Fatuma acomoda suas duas filhas mais doentes — Mariam e Malyun — em um cobertor no chão de terra da cabana.
Uma oferta para levar as crianças ao hospital foi recusada, em favor de um tratamento com remédios tradicionais à base de plantas. Então Fatuma, também cansada, se deita ao lado das meninas.
“Só quero que elas melhorem”, diz Dahir, observando as três do seu pequeno cobertor, repetindo solenemente a frase mais duas vezes.
Fonte: BBC.