Embora o Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia, na Holanda, tenha emitido um mandado de prisão contra o presidente da Rússia, Vladimir Putin, este é apenas o primeiro passo de um processo muito longo.
A Organização das Nações Unidas (ONU) acredita claramente que há provas suficientes para acusar o líder russo de crimes de guerra na Ucrânia.
No entanto, são imensos os problemas práticos e logísticos.
Putin é acusado de envolvimento na deportação forçada e transferência ilegal de crianças de áreas ocupadas na Ucrânia para a Rússia.
O Kremlin admitiu que entregou os menores a famílias russas, mas alega que fez isso por razões humanitárias.
Putin pode ser preso?
Atualmente, o líder russo desfruta de um poder incontestável em sua terra natal, então não há perspectiva de o Kremlin entregá-lo ao TPI.
Sendo assim, enquanto permanecer na Rússia, ele não corre o risco de ser preso.
Putin pode ser detido se deixar o país. Mas, dado que sua liberdade de movimento já está severamente limitada por sanções internacionais contra ele, é improvável que o presidente russo vá a um país que queira levá-lo a julgamento.
Desde que as tropas russas invadiram a Ucrânia em fevereiro de 2022, Putin visitou apenas oito países. Sete deles seriam considerados por ele como parte do “estrangeiro próximo” da Rússia — ou seja, partes constituintes da União Soviética (URSS) antes de seu colapso no final de 1991.
Seu único destino recente que não se enquadra nessa categoria é o Irã, que ele visitou em julho do ano passado para se encontrar com o líder supremo daquele país, o aiatolá Ali Khamenei.
Como o Irã contribuiu com a ofensiva russa fornecendo drones e outros equipamentos militares, qualquer nova visita a Teerã provavelmente não colocaria Putin em perigo.
Putin realmente enfrentará julgamento?
Há pelo menos dois grandes obstáculos para isso. Em primeiro lugar, a Rússia não reconhece a jurisdição do TPI.
O tribunal foi estabelecido em 2002 por um tratado conhecido como Estatuto de Roma.
Esse estatuto estabelece que é dever de cada Estado exercer sua própria jurisdição penal sobre os responsáveis por crimes internacionais. O TPI só pode intervir quando um Estado não puder ou não quiser realizar a investigação e processar os perpetradores.
Ao todo, 123 estados concordaram em cumpri-lo, mas há algumas exceções significativas, incluindo a Rússia.
Alguns países, incluindo a Ucrânia, assinaram o tratado, mas não o ratificaram.
Você pode conferir a lista completa de países que fazem parte do Estatuto de Roma aqui.
E em segundo lugar, o TPI não realiza julgamentos à revelia, ou seja, sem a presença dos réus, portanto, essa possibilidade é inexistente.
Quem mais já enfrentou esse tipo de julgamento?
A ideia de julgar pessoas por crimes contra a humanidade é anterior à existência do TPI.
Tudo começou em 1945 após a Segunda Guerra Mundial com os Julgamentos de Nuremberg, que foram realizados para punir os principais membros da hierarquia na Alemanha nazista pelo Holocausto e outras atrocidades.
Entre eles estava Rudolf Hess, vice do líder nazista Adolf Hitler, que foi condenado à prisão perpétua e cometeu suicídio dentro da penitenciária em 1987.
Putin não foi realmente acusado de crimes contra a humanidade, embora a vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, tenha defendido que ele deveria ser.
E se fosse, isso representaria outro dilema jurídico como a própria ONU diz, “os crimes contra a humanidade ainda não foram codificados em um tratado dedicado de direito internacional, ao contrário do genocídio e dos crimes de guerra, embora haja esforços para isso”.
Outros órgãos internacionais condenaram acusados de crimes de guerra. Isso inclui o Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia, uma organização da ONU que existiu de 1993 a 2017.
Durante esse tempo, condenou e sentenciou 90 pessoas. Mas, sem dúvida, o mais notório dos indiciados, o ex-presidente iugoslavo Slobodan Milosevic, morreu de ataque cardíaco em 2006 enquanto estava detido.
Quanto ao próprio TPI, até agora a corte indiciou 40 indivíduos além de Putin, todos de países africanos. Desse total, 17 foram detidos em Haia, 10 condenados por crimes e quatro absolvidos.
O que isso significa para a guerra na Ucrânia?
O mandado de prisão está sendo visto como um sinal da comunidade internacional de que o que está acontecendo na Ucrânia é contra o direito internacional.
O tribunal diz que a razão pela qual está tornando públicos esses mandados é que esses crimes continuam acontecendo.
Ao fazer isso, alega a corte, está tentando impedir que novos crimes ocorram.
Mas a principal reação da Rússia até agora tem sido descartar os mandados como sem sentido.
Na verdade, o Kremlin nega que suas forças tenham cometido qualquer atrocidade na Ucrânia, e o porta-voz de Putin chamou a decisão do TPI de “ultrajante e inaceitável”.
Diante de tal desafio, parece improvável que as ações do TPI tenham qualquer impacto na guerra da Rússia na Ucrânia — e a “operação militar especial” de Putin continuará impiedosamente.
Fonte: BBC.