Os engenheiros da central nuclear de Fukushima darão início nesta quinta-feira (24/08) ao despejo no mar da água residual acumulada na usina, 12 anos após um dos piores acidentes nucleares da história.
É difícil ter uma discussão objetiva sobre a eliminação da água radioativa da usina de Fukushima. Até porque numerosos escândalos e uma política de informação pouco transparente reduziram severamente a confiança na antiga operadora, Tepco, e no governo japonês, com suas complexas conexões com a indústria nuclear. Também reduzido, entretanto, costuma ser o conhecimento sobre o que será realmente despejado no mar.
Desde o devastador tsunami de 2011, esgotaram-se as capacidades de armazenar água não filtrada na ruína atômica. Pois os reatores destruídos continuam precisando ser refrigerados, o que exige cerca de 170 toneladas diárias de água. Além disso, chuva e água subterrânea penetram nas instalações: no momento já há 1,343 bilhão de metros cúbicos em 1.046 tanques.
Após a filtragem, um túnel de um quilômetro de extensão leva a água classificada como inofensiva até o Oceano Pacífico, enquanto os restos altamente radioativos permanecem em terra. Estima-se que esse escoamento vá se prolongar por 30 anos.
Trítio, o radioisótopo teimoso
O Departamento de Controle Atômico do Japão e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) decidiram que o país preenche os padrões de segurança internacionais e sancionaram os planos de escoamento. A AIEA alega que os efeitos sobre os seres humanos e o meio ambiente são “negligenciáveis”, e que há décadas usinas nucleares de todo o mundo despositam rotineiramente no mar sua água de refrigeração.
Entretanto ambientalistas, pescadores e também os países vizinhos acusam as autoridades japonesas de minimizarem a taxa radioativa do líquido. Eles temem contaminação do oceano em ampla escala, riscos ambientais, quedas de faturamento dramáticas e enormes danos de imagem.
Antes do despejo, água contaminada e subterrânea passa pelo sistema de filtragem Advanced Liquid Processing System (ALPS), capaz de separar 62 radioisótopos, mas não o trítio. Por isso a Tepco dilui o líquido até a concentração desse isótopo baixar a cerca de 1.500 becquerels por litro, ou 1/40 da norma de segurança nacional. Se após a filtragem as taxas seguem altas demais, a firma repete o processo.
Que perigo apresenta o trítio?
O trítio é um isótopo do hidrogênio. Apesar de radioativo, não é nem de longe tão perigoso quanto o césio 137 ou o estrôncio 90: enquanto emissor beta de baixa energia, basta uma película plástica ou a pele humana para isolar a maior parte da radiação.
Em 2013, o radioecologista Georg Steinhauser, da Universidade Técnica de Viena, pôde retirar amostras em torno da ruína atômica de Fukushima. Ele considera o despejo no mar a destinação mais segura para os dejetos: “Quem tem medo do trítio não está suficientemente esclarecido. Ele não representa perigo para os humanos ou o meio ambiente se for diluído bem lentamente para dentro do mar, sobra só uma fração do que já está lá devido aos testes de armas atômicas.”
Também Burkhard Heuel-Fabianek, diretor do departamento de proteção radioativa do Centro de Pesquisa de Jülich, considera o despejo no Pacífico “radiologicamente inofensivo”, mesmo se o trítio penetra no organismo, o risco é minimo, afirma, pois ele quase não é absorvido.
“Como o trítio é praticamente parte da água, o corpo o expele relativamente depressa, ele não tem grande impacto biológico, como outras substâncias.” Bem diferente de quando substâncias cancerígenas penetram no organismo humano: “O estrôncio 90 é incorporado na estrutura cristalina dos ossos, e aí não se consegue mais extraí-lo.”
O radioecologista Steinhauser defende um velho provérbio inglês: “The solution to pollution is dilution – a solução da poluição é a diluição: se se dilui alguma coisa até se tornar inofensiva, então ela é inofensiva.” Ele tampouco vê perigos ambientais no procedimento.
“O trítio não se reacumula progressivamente, não é como o mercúrio nos atuns. Ele é hidrogênio radioativo em forma de molécula d’água. Essa água radioativa não se acumula em nenhuma alga, nenhum plâncton, mas sim continua se diluindo mais e mais.”
Responsáveis tentam minimizar o problema?
A ONG ambientalista Greenpeace afirma que Tóquio e a Tepco estariam tentando minimizar as taxas de radiação, acentuando o menos perigoso trítio a fim de distrair de outros radioisótopos que permanecem na água mesmo após o tratamento.
“O governo japonês fez muito bem o trabalho de concentrar a atenção da mídia e do público nacional no trítio, afirmando que ele não representa perigo ambiental”, critica Shaun Burnie, especialista em assuntos nucleares da Greenpeace. “A água contaminada contém numerosos radioisótopos, que sabidamente afetam o meio ambiente e a saúde humana, inclusive estrôncio 90.”
Segundo Burnie, documentos internos vazados da Tepco provariam que, mesmo após a limpeza, não foi possível reduzir a “níveis não comprováveis” elementos radioativos como iodo, rutênio, ródio, antimônio, telúrio, cobalto e estrôncio. Além disso, o sistema ALPS não seria apto a filtrar o igualmente radioativo carbono 14.
Em vez da solução mais barata e rápida adotada pela operadora, ambientalistas propõem duas alternativas: instalarem-se tanques adicionais, ou fazer evaporar a água contaminada.
Steinhauser considera a primeira sugestão boa, sobretudo considerando-se o elevado risco de terremotos na região: “Se esses tanques começarem a vazar e o conteúdo percolar para a água subterrânea, aí esse trítio vai ficar relativamente pouco diluído no solo.”
Por sua vez, aquecer a água contendo trítio e liberar na atmosfera o vapor resultante é um processo conhecido: a taxa máxima permissível fica em trono de cinco becquerel por litro de ar. Porém certos cientistas consideram a opção problemática, por ser mais difícil controlar o hidrogênio assim liberado, pois ventos podem carregar a nuvem radioativa para locais distantes.
O radioecologista Steinhauser está entre os céticos: “Mesmo se tratando de concentrações pequenas e sendo inofensivo, fazer [o trítio] desaparecer no oceano é mais inofensivo ainda. Canalizar a água de refrigeração para o mar, eu considero a solução mais segura para o meio ambiente e a humanidade. É o que recomendam muitos, também a AIEA.”
Fonte: DW.