Uma imagem de Jesus Cristo anunciada como o cartaz da Semana Santa de Sevilha, na Espanha, causou reações negativas entre católicos conservadores.
Criado pelo artista de Sevilha Salustiano Garcia, o pôster mostra Cristo após sua ressurreição dos mortos, semi-nu diante de um fundo vermelho, com a parte inferior de seu corpo coberta por um pano branco.
Os críticos à arte a descrevem como ofensiva, homoerótica, afeminada e sexualizada.
“A Semana Santa é uma celebração importante com uma longa tradição na Espanha em geral, mas com ênfase especial na Andaluzia e ainda mais em Sevilha, a capital da Andaluzia”, descreve Alicia Hernández, repórter da BBC Mundo nascida em Almería, na mesma região onde Sevilha está localizada.
Hernandez descreve a festa como uma celebração religiosa, ligada à tradição, mas as procissões, espécie de desfile onde várias imagens religiosas percorrem a cidade, são frequentadas por pessoas de todos os perfis, com diferentes origens sociais.
“Para Sevilha, é uma das semanas mais importantes da cidade, assim como a Feria de Abril (Feira de Sevilha). Não é apenas uma questão religiosa, há também um forte componente turístico e econômico. Para ter uma ideia de quão grande é, é muito difícil caminhar por Sevilha sem deparar com uma procissão durante a Semana Santa.”
Críticas e apoio
A IPSE, uma organização católica ultraconservadora que promove o “respeito pelos símbolos cristãos” e se opõe ao aborto, fez duras crticas à imagem e exigiu um pedido público de desculpas do artista, dizendo que sua obra não estava de acordo com o espírito da Semana Santa.
No X (antigo Twitter), o político Javier Navarro, membro do partido da direita radical Vox, uniu-se às críticas dizendo que o pôster “tinha o intuito de provocar” e não colabora para “estimular a participação dos fiéis na Semana Santa em Sevilha”.
Do outro lado do espectro político, Juan Espadas, líder do Partido Socialista da Espanha na região sul da Andaluzia, se pronunciou em defesa da obra, denunciando as “expressões de homofobia e ódio” que ela provocou e afirmando que ela combinava “tradição e modernidade” da região.
“Algo muito curioso aconteceu”, comenta Alicia Hernández.
“No Conselho Municipal de Sevilha, a IU-Podemos, uma coalizão de esquerda, tentou dar apoio oficial ao pôster e ao artista. Isso pode ser algo considerado estranho visto que os grupos de esquerda normalmente não se envolvem em questões relacionadas à Semana Santa. O fato é que esse apoio foi interrompido porque o Vox o impediu.”
De acordo com a agência de notícias AFP, Conselho de Irmandades e Confrarias, responsável pelos principais eventos da Semana Santa na cidade localizada ao sul da Espanha, também demonstrou apoio, afirmando que o pôster mostra “o lado radiante da Semana Santa” no “estilo mais puro desse prestigiado pintor”.
Salustiano Garcia, artista espanhol criador da obra, tem 59 anos e formou-se na Universidade de Sevilha. Seu perfil descrito em uma galeria de arte afirma que suas obras são inspiradas pelo renascimento, pelo surrealismo e pelo mundo contemporâneo, e transitam entre temas de “religião, infância, violência e gêneros”.
Ao jornal de direita ABC, Salustiano Garcia descreveu que a obra foi criada com “profundo respeito” e afirmou que sua representação de Cristo foi baseada em uma imagem de seu filho de forma “suave, elegante e bonita”.
Ele afirmou que para enxergar sexualidade em sua imagem de Cristo, “é preciso estar louco”, insistindo que não havia nada em sua pintura que “não tenha sido representado em obras de arte datadas de centenas de anos atrás”.
Hernández recorda que esta não é a primeira polêmica que surgiu sobre mudanças na Semana Santa em Sevilha.
“Em 1984, por exemplo, um pôster feito com diferentes fotografias foi fortemente criticado porque não estava de acordo com a ‘tradição sevilhana'”.
Em 1995, outro pôster e seu artista foram criticados e vetados porque desenharam a Giralda, um monumento conhecido em Sevilha, na pupila da Macarena, uma imagem muito amada e emblemática da Virgem.
“Hoje é considerado um dos pôsteres mais marcantes e representativos.”
Críticas também surgiram quando uma nova música para as bandas tocarem nas procissões foi lançada.
“Tudo isso mostra que sempre que há algo diferente, algo que algumas pessoas consideram fora do normal, as críticas aparecem. As redes sociais alimentaram muito disso.”
Em artigo no site My Conversation, Chris Greenough, professor de Ciências Sociais da Edge Hill University (Inglaterra), diz que “embora o uso de personagens religiosos como Eva e Moisés muitas vezes passe despercebido, os anúncios que usam a imagem de Jesus frequentemente causam protestos”.
Ele afirma que o Cristianismo “é uma religião corporificada, onde as crenças não são simplesmente espirituais, mas são promulgadas através do corpo e no corpo”.
Para o professor — que menciona no artigo o mais recente caso na Espanha —, algumas das críticas podem “remeter ao legado da homofobia em certos contextos cristãos conservadores e ao uso da Bíblia neste contexto”.
Ele afirma que a imagem em discussão tem uma controvérsia “mais óbvia que não recebeu atenção”.
“Jesus, um homem do Oriente Médio, de pele morena, foi representado branco. A representação de Jesus como um europeu branco é problemática”, diz.
Fonte: BBC.
03 de fevereiro de 2024.