A descoberta de uma muralha no sítio arqueológico da Cidade de Davi comprovou um relato da Bíblia hebraica e cristã: o de que o rei Ozias (ou ainda Uzias/Azarias, dependendo da tradução adotada) foi o responsável pela construção de torres e muros em torno da cidade antiga de Jerusalém.
Até então, arqueólogos acreditavam que as obras haviam sido promovidas pelo rei Ezequias de Judá, seu bisneto, há cerca de 2.700 anos.
O anúncio foi feito por pesquisadores da Autoridade de Antiguidades de Israel, da Universidade de Tel Aviv e do Weizmann Institute of Science, que publicaram um artigo conjunto na revista científica americana PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences) na última semana de abril.
O trecho que narra as empreitadas de Ozias, considerado um rei-engenheiro prodigioso, pode ser encontrado no capítulo 26 do segundo livro de Crônicas, presente tanto no texto sagrado dos judeus quanto dos cristãos:
Uzias construiu torres fortificadas em Jerusalém, junto à porta da Esquina, à porta do Vale e no canto do muro. Também construiu torres no deserto e cavou muitas cisternas, pois ele possuía muitos rebanhos na Sefelá e na planície. Ele mantinha trabalhadores em seus campos e em suas vinhas, nas colinas e nas terras férteis, pois gostava da agricultura.
2 Crônicas 26: 9-10
Ainda no texto bíblico, o Livro de Amós é descrito como datado “dois anos antes do terremoto, quando Ozias era rei de Judá”. Segundo a datação por carbono-14 das ruínas encontradas, o material é consistente com o período das obras atribuídas ao rei no texto bíblico.
“Até agora, muitos pesquisadores assumiam que a muralha havia sido construída por Ezequias durante sua rebelião contra Senaqueribe, rei da Assíria, para defender Jerusalém do cerco assírio. Mas agora tudo leva a crer que a muralha em sua porção leste, na área da Cidade de Davi, foi construída antes, pouco depois do grande terremoto de Jerusalém, como parte da construção da cidade”, afirmou Joe Uziel, arqueólogo da Autoridade de Antiguidades de Israel, em comunicado ao público.
Já Yuval Gadot, estudioso da Universidade de Tel Aviv, destacou também à imprensa que o trabalho revelou que a expansão de Jerusalém para o oeste começou cinco gerações antes do imaginado.
“A premissa convencional até então era que a cidade se expandiu graças à chegada de refugiados do Reino de Israel no norte, após o exílio assírio. No entanto, os novos achados reforçam a visão de que Jerusalém cresceu em tamanho e se espalhou na direção do Monte Sião já no século 9 a.C., durante o reino do rei Joás (ou Jeoás) — 100 anos antes do exílio assírio.”
Por isso, ele ainda acredita que a expansão da cidade foi resultado do crescimento da população e estabelecimento de sistemas políticos e econômicos, e não resultado de migrações em tempos de guerra.
Os desafios para chegar ao reinado certo
Segundo o relatório do Parque Nacional da Cidade de Davi, este período da História de Jerusalém era considerada “um buraco negro”, já que determinar a data de artefatos e relíquias era difícil até então graças à flutuação dos níveis do isótopo 14 do carbono nos objetos.
Mas os cientistas conseguiram superar esta adversidade usando como parâmetro os “anéis” que se formam nos troncos das árvores. Medindo as quantidades do carbono em cada um deles, foram encontradas as quantidades que deveriam também estar presentes em itens da mesma época em que os anéis se formaram na vegetação.
“A precisão do carbono-14 era muito ruim — de 200 a 300 anos. Era impossível distinguir qualquer outra coisa”, reclamou a pesquisadora Elisabetta Boaretto, do Weizmann Institute, ao jornal britânico Daily Mail. “Com o trabalho que fizemos na Cidade de Davi, conseguimos chegar a uma precisão de menos de 10 anos, o que é algo bastante novo e dramático”.
Para chegar às conclusões, após quase uma década de estudos, foram coletadas amostras de artefatos encontrados em quatro diferentes locais de escavação na antiga Jerusalém. Entre eles estavam sementes de uvas, esqueletos de morcegos e restos de tâmaras.
Os pesquisadores ainda descobriram que Jerusalém era diferente do que se pensava pelo menos um século antes de Ozias. “Durante o século 10 a.C., nos dias [dos reis] Davi e Salomão, a cidade ocupava áreas diferentes e parece ter sido maior do que pensávamos anteriormente”, comentou ainda Joe Uziel.
Jerusalém seguiu crescendo após a muralha encontrada ser erguida. Houve ambiciosas construções de prédios imponentes e residências a partir do século 9 a.C. que foram utilizados até 586 a.C., quando a cidade foi destruída pelos babilônios — inclusive o Templo de Salomão —, assim colocando ao fim ao Reino de Judá.
Porções do sítio arqueológico da Cidade de Davi começaram a ser estabelecidas ainda nos tempos de Abraão, segundo as autoridades israelenses, como uma cidade cananeia fortificada. O período de interesse dos pesquisadores é, contudo, mais recente: há cerca de 3 mil anos, o rei Davi conquistou Jerusalém e tornou-a capital de um reino descrito historicamente como próspero, formando boa parte do parque atual.
Fonte: UOL.