Enquanto ambos os exércitos se preparam para o duro inverno no Himalaia, o resultado dos piores confrontos em décadas fica à vista: o avanço chinês sobre território previamente patrulhado pela Índia.
Discursando no Bloomberg India Economic Forum 2020, o ministro das Relações Exteriores da Índia, Subrahmanyam Jaishankar, descreveu o impasse na fronteira como sério e afirmou que as negociações eram, e continuam a ser, “um trabalho em andamento”.
Conflito em curso
De junho a setembro, a Índia perdeu o controle sobre cerca de 300 quilômetros quadrados de terra ao longo do disputado terreno montanhoso, de acordo com autoridades indianas a par da situação, informa Bloomberg.
Os últimos seis meses, efetivamente, traçaram novas linhas de batalha em um deserto gelado de alta altitude, elevando as tensões ao seu ponto mais alto desde que os dois gigantes asiáticos travaram uma guerra na área há seis décadas. Ambos os exércitos estão agora se preparando para permanecer firmes em terreno quase desabitado durante os meses de inverno no local (de dezembro a fevereiro), nos quais as temperaturas podem cair para os 40 graus negativos.
A chamada Linha de Controle Real (LAC, na sigla em inglês), que separa os dois países, segue, parcialmente, as fronteiras traçadas pelos britânicos em 1914 entre o Tibete e a Índia. Décadas mais tarde, conflitos foram relatados após a Índia ter concedido asilo a Dalai Lama, que se opunha veemente ao domínio chinês no Tibete, em 1959. Tal feito levou em seguida ambos os países à guerra, e cinco tratados desde então ainda não conseguiram impedir confrontos periódicos.
“Não vemos uma implantação de inverno expandida desde a guerra de 1962”, disse o tenente-general DS Hooda, ex-comandante do Exército do Norte indiano, e citado pela Bloomberg, que foi responsável pela área que se estende ao longo do Himalaia até a passagem mais alta entre a Índia e a China, a cerca de 5.540 metros de altitude.
“Ambos os países estão se esforçando”, o que “nos diz que as atitudes estão se endurecendo e, portanto, podemos ver um longo período de tensões que podem ter consequências indesejadas”, acrescenta Hooda.
Para ambos os lados, é o controle de postos avançados estratégicos, como a passagem de Karakoram, que vai da Índia à região de Xinjiang na China, que está em jogo. O controle da antiga Rota da Seda poderia dar à China um acesso rodoviário mais fácil ao Paquistão, um aliado de longa data, abrindo corredores comerciais para os países da Ásia Central que, por sua vez, são a chave para o sucesso da Iniciativa do Cinturão e Rota da Seda do presidente chinês Xi Jinping.
Embora a Índia tenha realizado poucas atividades na área de fronteira durante os anos após a guerra, na última década o país começou a construir uma nova infraestrutura. Recentemente, a Índia abriu o primeiro de sete túneis em partes importantes do Himalaia, de modo a facilitar os movimentos de soldados, tendo, de igual modo, completado uma estrada de 255 quilômetros que conecta uma grande cidade regional ao desfiladeiro de Karakoram. As pistas de pouso e os aeródromos da época da Segunda Guerra Mundial em toda a extensão da fronteira também foram reformados.
Interesses e jogadas geopolíticos
O conflito atual tem vindo a crescer desde o ano passado, poucas semanas depois do governo de predominância hindu, liderado pelo primeiro-ministro indiano Narendra Modi, ter cancelado as garantias constitucionais de autonomia em Jammu e Caxemira, o único estado indiano de maioria muçulmana. Em setembro de 2019, soldados chineses e indianos entraram em confronto nas margens do lago glacial Pangong Tso.
No momento em que o inverno rigoroso do Himalaia se dissipou em maio deste ano, a Índia ficou surpresa ao descobrir que o exército chinês construiu bases avançadas, ocupou o topo das montanhas e enviou milhares de soldados para restringir as patrulhas indianas. Nesse momento, a Índia percebeu que havia perdido o controle de cerca de 250 quilômetros quadrados de terras nas planícies de Depsang, onde se situam as principais estradas que levam até o desfiladeiro de Karakoram, bem como 50 quilômetros quadrados de terras em Pangong Tso, de acordo com as autoridades indianas.
Na segunda semana de junho, ambos os lados entraram em confronto, vitimando 20 soldados indianos e um número desconhecido de soldados chineses. Como os dois lados enviaram soldados e reforços para a área, os acordos de fronteira, cuidadosamente elaborados pelos governos anteriores, foram ignorados.
Na noite de 29 de agosto, a Índia surpreendeu a China ao transportar milhares de soldados para um terreno estratégico elevado ao longo de um trecho de mais de 40 quilômetros quadrados na margem sul de Pangong Tso. Esta jogada permitiu que as forças indianas tivessem uma visão melhor dos movimentos da China, bem como da escalada das tensões.
Por fim, em 7 de setembro, os dois lados guerrearam um com o outro pela primeira vez em quatro décadas. Desde então, várias tentativas de negociações militares e diplomáticas de alto nível não conseguiram neutralizar o impasse na fronteira.
‘General Inverno’ e a possibilidade de um terceiro ator
Embora geralmente ambos os lados retirem suas tropas durante os meses de inverno, este ano os soldados que ocupam posições críticas estão em abrigos improvisados, tornando-os vulneráveis ao frio. A obtenção e fornecimento de água e mantimentos, bem como mantê-los aquecidos nas temperaturas gélidas, será outro enorme desafio.
Com os rios congelando, em meados de novembro, viajar dentro de Ladakh será fácil, mas a neve bloqueará as estradas para a região. Os elevadores aéreos são o único meio de transporte de tropas e mantimentos para dentro e para fora do local. Embora a China tenha uma vantagem de infraestrutura ao longo da fronteira, o exército indiano espera que Pequim reduza as tropas da área, permitindo que Nova Deli faça o mesmo.
Algumas centenas de quilômetros a sudoeste do desfiladeiro de Karakoram fica a geleira Siachen, muitas vezes descrita como o campo de batalha mais alto do mundo, onde soldados indianos e paquistaneses permanecem em constante vigilância.
A possibilidade de um movimento coordenado pela China e Paquistão, tornaria o controle da Índia sobre esta região tênue.
Agora, só o tempo nos dirá quem sairá vencedor de mais uma árdua fase desta batalha, a vários quilômetros acima do nível do mar.