Após denúncias da Inteligência americana e sul-coreana de que a Coreia do Norte estaria enviando milhares de soldados para ajudar a Rússia na guerra contra a Ucrânia, muitos analistas começaram a se perguntar o que Pyongyang ganha ao mandar seus cidadãos para um conflito que é comparado a um moedor de carne — e em um momento de escalada das tensões com a vizinha Coreia do Sul.
As primeiras respostas que surgiram sobre a mesa foram mais genéricas: experiência e oportunidade. Mas agora, uma fala do ministro da Defesa sul-coreano, Kim Yong-hyun, parece apontar para caminhos mais palpáveis.
De acordo com Kim, “é muito provável que a Coreia do Norte, em troca do envio de suas tropas, peça a transferência de tecnologia avançada”, incluindo tecnologias relacionadas a armas nucleares táticas, aprimoramento de mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs), satélites de reconhecimento e mísseis balísticos submarinos (SSBNs), afirmou, na quarta-feira, no Pentágono, em Washington.
“Há também uma grande chance de que eles tentem substituir seus equipamentos que foram adquiridos há muito tempo, portanto, tecnologias ou equipamentos antigos”, acrescentou. “Acredito que essas mudanças na situação tecnológica da Coreia do Norte podem representar um aumento na escalada das ameaças à segurança na Península Coreana”.
O acordo espelharia o que a Rússia tem com o Irã, no qual Moscou tem compartilhado tecnologia sobre questões nucleares com Teerã em troca de armas e apoio militar para a guerra na Ucrânia, disse a Casa Branca em setembro.
Apesar de ter um dos maiores contingentes do planeta, com cerca de 1,2 milhão de homens (em uma população de 26 milhões de pessoas), as Forças Armadas da Coreia do Norte tiveram pouca experiência de combate depois do fim da Guerra da Coreia, em 1953. Soldados, agentes de inteligência e pilotos foram enviados para conflitos no Oriente Médio, África e na Ásia, mas em pequenos números, e nem sempre em ambiente de combate.
O estreitamento dos laços com a Rússia, que depende dos amplos arsenais norte-coreanos para continuar sua guerra na Ucrânia, também foi visto como uma oportunidade para os militares em Pyongyang testarem suas armas — munições de artilharia e foguetes de curto alcance já foram empregados contra os ucranianos — e, agora, seus soldados.
A Coreia do Sul vem alertando sobre o envio de soldados norte-coreanos para a Rússia há semanas e informou os aliados da Otan, a aliança militar ocidental comandada pelos EUA, sobre o movimento das tropas na segunda-feira.
Durante o encerramento da cúpula do Brics, na semana passada, o presidente russo, Vladimir Putin, despistou sobre o assunto dizendo que “se houver imagens” dos soldados, elas “refletem alguma coisa”. Pyongyang, por sua vez, declarou que qualquer envio de tropas estaria de acordo com as normas do direito internacional, mas não confirmou o envio de soldados para a Rússia.
O número de soldados que teriam sido enviados para a Rússia é incerto. Segundo o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, são entre 10 mil e 12 mil militares de duas unidades de elite, sendo que oficiais e engenheiros já estariam em territórios ocupados ucranianos atuando em missões técnicas — no começo do mês, seis deles teriam sido mortos em um bombardeio nos arredores de Donetsk, no leste do país.
De acordo com autoridades de Kiev e Washington, um pequeno número de soldados já estaria na Ucrânia, enquanto vários milhares teriam sido enviados à região fronteiriça de Kursk, no oeste da Rússia, que as forças ucranianas invadiram em agosto.
“As evidências agora sugerem que a Coreia do Norte enviou cerca de 10 mil soldados para treinar no leste da Rússia”, disse o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, na quarta-feira. — Algumas dessas tropas da RPDC [República Popular Democrática da Coreia, o nome oficial da Coreia do Norte] já se aproximaram da Ucrânia, e estamos vendo-as vestidas com uniformes russos e munidas de equipamentos russos.
Especialistas militares afirmam que esse é um número muito pequeno para afetar a situação geral no campo de batalha, para onde ambos os lados enviaram centenas de milhares de soldados, mas potencialmente suficiente para ajudar Moscou a recuperar seu território na região de Kursk.
Não está claro, entretanto, como exatamente os soldados norte-coreanos apoiarão o contra-ataque russo na região de Kursk. Analistas dizem que os militares poderiam ser usados em ataques diretos ou para proteger áreas atrás da zona de combate, liberando assim as forças russas para ataques, mas sua eficácia em batalha não foi testada e poderia ser prejudicada por problemas de coordenação com os russos.
Em junho, durante uma visita de Putin à Pyongyang, Rússia e Coreia do Norte assinaram o Tratado de Associação Estratégica Integral, que, pelo o que foi divulgado publicamente, prevê ações de defesa mútua em caso de ataque aos países.
Fonte: Exame.