A história de Ji-ho (pseudônimo) é baseada em diversos relatos reais da vida na Coreia do Norte.
Agentes do Estado norte-coreanos foram atrás do pai de Ji-ho enquanto ela estava na escola. Quando abriu o portão de casa, ouviu gritos e viu homens com pás, cavando no jardim. Havia mais homens dentro de casa, gritando com o pai dela. “Eu não pude evitar. Gritei: ‘Appa!’ (papai em coreano) e corri para o quarto. Eu vi meu pai encolhido no canto, corri até ele e o abracei”, conta Ji-ho.
Enquanto agentes de segurança do Estado lançavam perguntas e acusações para o pai dela, se tornou óbvio o que estavam procurando. Eles queriam um rádio que havia na casa e saber sobre o livro secreto. Vasculharam a casa procurando pelos dois itens, mas nunca encontraram o rádio – provavelmente porque ficaram com muito medo de tocar no retrato dos líderes.
O pai de Ji-ho sempre achou um pouco engraçado o rádio, sua ligação ilegal com o mundo exterior, estar atrás da imagem de Kim Jong-il pendurada na parede. Ele também sabia que a polícia não ousaria tocá-la. Mas enquanto os agentes cavavam do lado de fora, no pequeno jardim, encontraram o livro envolvido em plástico. Um dos policiais entrou segurando o livro com olhar triunfante. Ele deu um pontapé na pequena mesa, o que fez Ji-ho e o pai se encolherem no canto, atiraram pratos para todos os lados e jogaram o livro aos pés do pai dela. “Meu pai e eu chorávamos. Naquele momento, sabíamos que nunca mais nos veríamos novamente”, compartilha.
O pai de Ji-ho foi empurrado para fora e ela cambaleou atrás deles, muito atordoada para fazer mais do que chorar silenciosamente. O último vislumbre do pai foi por meio do portão, enquanto a polícia o levava. O portão fechou-se e ela foi deixada sozinha.
Ela não sabia para onde levariam o pai, e provavelmente nunca saberá. O que não entendia era por que o levaram. Ela sabia que ter um rádio era perigoso, ainda mais porque o pai tinha conseguido, de alguma forma, um pequeno transistor para tentar encontrar notícias de fora da Coreia do Norte. Ele queria saber se havia algum lugar que tivesse comida. Pensou que a China podia ter algo a oferecer e que talvez conseguisse atravessar a fronteira. Mas também não tinha certeza se o que o rádio falava sobre a colheita na Coreia do Norte era verdade. Mesmo assim, sempre ficava acordado até tarde, ouvindo transmissões de rádio estrangeiras em busca de novas informações que os ajudassem a sobreviver. “Ele dizia que valia o risco, embora ambos soubéssemos que ele seria preso se algum dia fosse pego”, compartilha.
Lições perigosas
Antes de ser levado por agentes do Estado, o pai de Ji-ho ensinava a ela lições de um mestre que estavam registradas em um livro secreto (foto representativa)
Mas Ji-ho não via o que era tão ruim quanto ao livro secreto do pai. Ele amava ler histórias e ensinamentos do livro para ela. “‘Um homem sábio sentou em uma montanha e começou a ensinar’, meu pai me contou uma noite. Ele disse: ‘Quando o sal perde seu sabor, para que mais serve?’. As pessoas são como sal. Se nós perdemos nossa bondade para com os outros, perdemos nossa humanidade. Sempre se mantenha com sabor, Ji-ho.” Ela não sabia o que aquela história ou as palavras dele significavam, mas se sentia impregnada por elas. Por que uma lição sobre bondade seria tão perigosa na Coreia do Norte?
Enquanto ela crescia, a dor da perda do pai se controlou. A dor nunca foi embora, mas ela tinha preocupações que a pressionavam mais, como encontrar comida e sobreviver. Ela começou a ouvir o rádio em busca de notícias sobre o mundo exterior, assim como o pai costumava fazer. Talvez houvesse comida fora da Coreia do Norte – ela não sabia como chegaria lá, mas imaginava que fora do país não passaria fome como alguns dos vizinhos. Ela também plantou alguns vegetais no quintal. Tecnicamente, sabia que isso não era permitido, mas ninguém parecia se importar muito, afinal, não recebiam as porções normais de comida pelo trabalho há meses.
Quando chegou aos 20 anos, sua rotina noturna girava em torno do transistor e do jardim. Ela chegava em casa do trabalho na fazenda, conferia o jardim, colhia algumas batatas ou repolhos e comia a escassa janta enquanto ouvia o rádio. Ela nunca ouviu sobre nenhuma comida que pudesse conseguir, mas havia algo reconfortante em ouvir o rádio como viu o pai fazer muitas vezes.
Uma noite, ela girava o transistor procurando novas estações. Ela encontrou uma estação em coreano, mas o que o homem falava era improvável em qualquer programa do Estado que já tivesse ouvido. “‘Vocês são o sal da terra’, o homem no rádio disse. ‘Se o sal perde seu sabor, para que mais serve?’. Essas são as palavras de Jesus, e elas nos lembram que nós nunca devemos perder nosso sabor – nosso amor pelos outros.”
Ji-ho quase derrubou o chá. Isso era o que o pai dela tinha dito há muitos anos, quase palavra por palavra. Mas o rádio disse que alguém chamado Jesus havia dito isso. Quem era Jesus? Ele era o “mestre” sobre quem o pai dela tinha falado? A partir de então, ela ouvia a estação sempre que tinha chance. “Eu ouvi outras coisas sobre Jesus: ‘Nem só de pão viverá o homem’ (Lucas 4.4); ‘O salário do pecado é a morte, mas o dom gratuito de Deus é a vida eterna por meio de Cristo Jesus’ (Romanos 6.23); e o mais maravilhoso de tudo, ‘Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu o seu filho unigênito para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna’ (João 3.16 –?ARA).”
Colocando as lições em prática
Mesmo sabendo do risco que corre ao escolher a mesma fé de seu pai, Ji-ho procura maneiras de expressar o amor de Jesus com cautela (foto representativa)
As pessoas no rádio disseram que eram cristãs. Ji-ho cresceu ouvindo na escola sobre missionários ocidentais que sequestravam crianças e matavam pessoas. Mas as pessoas no rádio não pareciam em nada com isso. “Enquanto ouvia, ficava cada vez mais convencida – esse Jesus era o grande mestre sobre quem meu pai tentou me falar. Jesus queria ser meu Senhor e Salvador, e eu queria segui-lo, como meu pai fez.”
Ela começou a pensar sobre essas lições todos os dias. Via um vizinho que sabia estar com fome e ouvia as palavras de Jesus: “Se você fizer isso a qualquer um dos meus pequeninos, a mim o fará”. Ela chegava em casa, exausta do trabalho no campo, com o coração ainda doendo pela perda do pai, e pensava sobre o que ouviu no rádio: “O Senhor é meu pastor e nada me faltará” (Salmos 23.1 – ARA).
Ji-ho tentava orar como a pessoa no rádio disse. “Ele dizia que é possível falar com Deus a qualquer momento e que Deus quer nos ouvir. Muitas vezes, parecia que Deus ouvia minhas orações e queria que eu soubesse que estava comigo.” Conforme ela continuava aprendendo mais sobre Jesus, também descobria que sua vida mudava de outras formas.
Ela continuava faminta, mas passou a compartilhar sua comida. “Pensei sobre o que Jesus disse sobre ser sal e que meu pai me disse para eu nunca perder o sabor. Eu sabia que poderia abrir mão de uma parte da minha comida para meus vizinhos que não tinham um jardim. Eu esperava que isso mostrasse a eles de alguma forma que Jesus os amava”, compartilha.
Ji-ho sabia que era perigoso falar para alguém sobre Jesus. Os líderes do país não querem o povo adorando alguém ou algo além deles. Ela percebeu que foi por esse motivo que o pai tinha sido levado. Eles viram que o pai de Ji-ho tinha um Senhor que era maior que os líderes do país. “Eu sou cristã agora, servindo ao mesmo Jesus que meu pai e as pessoas no rádio. Posso ser a única cristã na Coreia do Norte. Mas talvez outras pessoas ouçam os programas de rádio também. Eu espero que algum dia encontre outro seguidor de Jesus. Seria maravilhoso compartilhar minhas esperanças e fé com alguém. Por agora, vou continuar ouvindo o rádio. Ele me ajuda a não me sentir sozinha. Vou continuar aprendendo mais sobre Jesus e como posso segui-lo mais de perto. Também vou continuar sendo sal para as pessoas ao meu redor, assim como meu pai me disse”, conclui.
Programas de rádio para norte-coreanos
A única maneira de muitos cristãos na Coreia do Norte receberem conteúdo cristão é por meio de programas de rádio clandestinos. Uma doação permite que cristãos norte-coreanos isolados tenham acesso a transmissões de rádio que os encorajam na caminhada com Jesus.