A Etiópia, a segunda nação mais populosa da África, vive uma guerra civil há mais de um ano, e o agravamento do conflito pode piorar a situação não só do próprio país, mas, também, de uma região importante para o comércio global: o Chifre da África.
A ONU já vem fazendo alertas sobre a situação há algum tempo. Em um deles, feito no dia 17 de dezembro, a vice-alta comissária para os Direitos Humanos da ONU, Nada Al Nashif, disse que os níveis de ódio, violência e discriminação devem aumentar no país e que isso pode levar a uma violência generalizada.
Segundo a vice-comissária da ONU, o conflito na Etiópia pode ter grandes consequências não apenas para milhões de etíopes, mas também em toda a região do Chifre da África, a península onde ficam os seguintes países:
- Somália,
- Djibouti,
- Eritreia e
- Etiópia.
A ONU afirma que recebeu relatórios confiáveis de violações graves dos direitos humanos cometidas por todas as partes envolvidas nos combates atuais na Etiópia. Em dezembro de 2021, a ONU criou uma comissão internacional de especialistas para investigar e reunir provas sobre os abusos cometidos no contexto do conflito no país.
Federação de povos
A Etiópia é, na verdade, uma reunião de mais de 80 povos diferentes que têm uma organização federativa multinacional, diz Leila Leite Hernandez, professora da USP.
A essência do problema, diz ela, é que as entidades que formam essa federação entram em choque com os partidos no poder – especialmente, como é o caso atual, se o partido em questão toma medidas centralizadoras.
Cronologia dos últimos anos
Abyi Ahmed, o primeiro-ministro, é o vencedor do Nobel da Paz de 2019 –um prêmio que, hoje, é enxergado como um equívoco da academia que concede o Nobel.
Ele pertence à etnia Oromo, o maior grupo étnico do país.
Ahmed chegou ao poder em 2018. Sua vitória nas eleições daquele ano foram o fim de quase 30 anos de governo liderado pela Frente de Libertação do Povo de Tigré (o Tigré é uma região do país).
Ahmed chegou a ser ministro em governos da Frente de Libertação do Povo do Tigré (TPFL, na sigla em inglês), mas, de acordo com uma reportagem do “New York Times”, ele nunca se sentiu aceito pelo TPFL, e sofreu diversas humilhações dos seus atuais inimigos.
Assim que assumiu o governo, Ahmed fez um acordo de paz com um país vizinho, a Eritreia. Foi por esse acordo que ele recebeu o Nobel da Paz.
No entanto, há indicações que, na verdade, Ahmed havia feito um acordo com o líder da Eritreia, Isaias Afwerki, para que os dois, em conjunto, combatessem um inimigo em comum: a TPFL.
A guerra com o Tigré
As forças do TPFL começaram a se rebelar e, em 2021, atacaram uma base militar do exército da Etiópia. Ahmed decretou guerra e disse que poderia convocar a população civil para o confronto.
No entanto, as forças do Tigré derrotaram o exército da Etiópia e os aliados da Eritreia. Em novembro, os guerrilheiros do Tigré chegaram a cerca de 200 quilômetros da capital Adis Abeba.
De lá para cá, as forças do governo conseguiram reagir, e reconquistaram duas cidades consideradas estratégicas que haviam sido tomadas pelo TPFL.
As forças do governo, inicialmente, perderam muito território, mas no fim de dezembro de 2021 acumularam vitórias militares consecutivas. As perspectivas de paz permanecem, contudo, incertas.
E agora?
Leila Leite Hernandez, a professora da USP, diz que os confrontos entre diferentes grupos étnicos na Etiópia, há décadas, era um conflito de baixa ou média intensidade que, agora, se tornou uma guerra aberta. Para ela, a guerra deve voltar a ser um conflito de baixa ou média intensidade.
“Essa guerra não deve durar tanto tempo porque existem interesses muito grandes, sobretudo os interesses da China na região, maiores até que os dos Estados Unidos”. A China fez investimentos grandes em portos no Djibouti, o país vizinho.
Para a professora, deve haver pressão de outros países e algum tipo de arbitragem de terceiros para evitar que a guerra se alastre pela região do Chifre da África.
“Eu apostaria também que o conflito não vai se encerrar plenamente, mas, sim, se arrastar em uma guerra que não seja de grandes proporções, como a atual, que é uma guerra civil”, diz ela.
Fonte: G1.