Estados Unidos, Reino Unido e Austrália revelaram nesta semana novos detalhes do pacto de segurança Aukus, uma tentativa de fazer frente à crescente influência da China na região do Indo-Pacífico, causando imediata reação de Pequim.
A Casa Branca comunicou que, no âmbito do Aukus, os Estados Unidos venderão três submarinos nucleares à Austrália, no início da década de 2030, e que mais dois poderão ser vendidos, se for necessário.
Embora o Aukus seja amplamente visto como um contrapeso à influência da China, o conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Jake Sullivan, afirmou que o acordo não se volta contra nenhum país e que o objetivo é mostrar o compromisso dos EUA com o Indo-Pacífico.
Esta é a segunda vez que os EUA compartilham sua tecnologia de propulsão nuclear de submarinos – o outro parceiro é o Reino Unido. Os novos submarinos permitirão à Austrália entrar, a partir da próxima década, no restrito clube das nações com submersíveis movidos a energia nuclear, que inclui apenas Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido, França (os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança) e Índia.
O Brasil também tem um projeto de submarino nuclear, desenvolvido pela Marinha com tecnologia francesa. O programa foi prejudicado por cortes orçamentários e escândalos de corrupção e deverá entregar um submarino nuclear de caça (que não carrega mísseis) em 2029, pelo atual cronograma.
Os submarinos movidos a energia nuclear são difíceis de detectar e podem permanecer longos períodos submersos, viajar por grandes distâncias e, dependendo da categoria, transportar mísseis de cruzeiro ou balísticos.
Duras críticas da China
A China reagiu de imediato ao anúncio e afirmou que a venda dos submarinos viola os objetivos do Tratado de Proliferação de Armas Nucleares (NPT, na sigla em inglês) e constitui “um grave risco de proliferação nuclear”.
O Ministério do Exterior da China acusou os três países ocidentais de estimularem uma corrida armamentista com o pacto, que qualificou de “um típico caso de mentalidade da Guerra Fria”.
A Rússia afirmou que o pacto levanta questões de não-proliferação de armas nucleares. O ministro russo do Exterior, Serguei Lavrov, equiparou o Aukus com a expansão da Otan e disse que o Ocidente está fomentado, com o pacto, “anos de confrontação” na região do Pacífico asiático.
“O mundo anglo-saxão, com a criação de estruturas como o Aukus e com o avanço das estruturas militares da Otan na Ásia, está fazendo uma séria aposta em muitos anos de confrontação”, declarou.
Já o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou que os submarinos são “propulsionados por energia nuclear e não armados com armas nucleares”. Ele frisou que as embarcações “não terão nenhuma arma nuclear de nenhum tipo”.
“Buraco” no NPT
O jornal britânico The Guardian observou que, de acordo com os detalhes do pacto anunciados nesta segunda-feira em San Diego, na Califórnia, esta é a primeira vez que um “buraco” no NPT é usado para transferir material físsil (material capaz de sustentar uma reação em cadeia de fissão nuclear) e tecnologia nuclear de uma potência nuclear (no caso, os EUA) para um país que não tem armas nucleares (a Austrália).
Esse “buraco”, segundo o diário, é o parágrafo 14, que permite que material físsil de uso militar não explosivo, como a propulsão naval, seja excluído das inspeções e do monitoramento da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA).
A AIEA foi palco de discussões entre a China e os três países do Aukus, com a potência asiática acusando a parceria ocidental de envolver a transferência ilegal de material de armas nucleares, “tornando-a, em essência, um ato de proliferação nuclear”.
A Austrália argumentou que não dispõe das instalações necessárias para transformar o combustível dos submarinos numa bomba nuclear e se comprometeu a jamais tê-las.
Especialistas veem com preocupação o uso do parágrafo 14 no caso do Aukus, por temer que se crie um precedente a ser invocado por outros países para, de fato, transferir urânio ou plutônio altamente enriquecido sem supervisão internacional.
Projeto de três fases.
Em San Diego, o primeiro-ministro da Austrália, Anthony Albanese, saudou o acordo como o maior investimento da história do país. Ele disse que o projeto, com um custo estimado por Canberra de 245 bilhões de dólares ao longo das próximas três décadas, vai criar cerca de 20 mil empregos diretos. O premiê comparou o impacto na economia ao gerado pela introdução da indústria automobilística, depois da Segunda Guerra Mundial.
O projeto terá três fases, segundo a Casa Branca. Na primeira, marinheiros, engenheiros e técnicos australianos serão enviados a bases dos Estados Unidos e do Reino Unido para treinamento. A Austrália não tem tecnologia nuclear, seja militar, seja civil.
Numa segunda etapa, a Austrália vai comprar três submarinos movidos a energia nuclear da classe Virgínia dos EUA, com opção de compra de mais dois, que deverão ser entregues a partir de 2030.
Por fim, na terceira e mais ambiciosa etapa do programa, Estados Unidos, Austrália e Reino Unido vão unir forças para uma nova geração de submarinos, denominados SSN-Aukus.
Atrito com a França
A aliança Aukus levou à rescisão, pela Austrália, de um contrato de aquisição de 12 submarinos convencionais franceses, movidos a diesel, ao custo de 66 bilhões de dólares. A rescisão, ocorrida em 2021, gerou uma crise diplomática com a França, que falou em traição.
Desde então, o caso foi resolvido através de intensas manobras diplomáticas, incluindo uma visita de Estado do presidente francês, Emmanuel Macron, aos Estados Unidos, no início de dezembro.
Fonte: DW.