Uma longa guerra secreta entre dois inimigos declarados está se tornando cada vez mais visível.
Durante anos, Israel e Irã estiveram envolvidos em ações clandestinas um contra o outro.
Israel enxerga o Irã, país que pede sua eliminação, como sua maior ameaça; enquanto o Irã vê Israel como um inimigo aliado dos Estados Unidos que retarda seu crescimento como potência regional.
Os acontecimentos tiveram uma reviravolta particularmente dramática em 2020, quando os líderes do Irã culparam Israel pela morte de seu principal cientista nuclear, Mohsen Fakhrizadeh, morto a tiros enquanto dirigia um carro em uma rodovia nos arredores de Teerã.
No entanto, o jornal americano New York Times publicou um relatório detalhado descrevendo como o ataque foi realizado por Israel.
O ex-chefe da Mossad revelou mais tarde que o cientista havia sido um alvo “por muitos anos”, e que a agência de inteligência israelense estava preocupada com seu conhecimento.
As agências de inteligência ocidentais acreditavam que Fakhrizadeh era o chefe de um programa secreto para construir uma ogiva nuclear.
Outras operações
Nos meses que se seguiram, quando Joe Biden se tornou presidente dos EUA e tentou reviver o acordo nuclear com o Irã (que foi abandonado por seu antecessor Donald Trump), Irã e Israel aparentemente continuaram com as operações secretas.
Israel anunciou que havia frustrado um suposto plano de assassinato iraniano; o Irã se gabou de uma operação de drones dentro de Israel, e ambos os países supostamente atacaram os navios de carga um do outro.
O Irã disse na semana passada que Israel estava por trás de um ataque de sabotagem a uma instalação nuclear subterrânea. E, há poucos dias, afirmou que vai processar três pessoas por suspeita de ligação com a Mossad, acusadas de planejar o assassinato de cientistas nucleares iranianos.
O Irã também denunciou uma série de mortes misteriosas dentro do país, incluindo dois oficiais aeroespaciais que foram “mártires durante uma missão”, assim como um engenheiro do Ministério da Defesa que foi “mártir por sabotagem industrial”.
Mas não chegou a culpar Israel pelas mortes.
Uma guerra não tão secreta
A guerra entre Israel e Irã agora parece estar saindo das sombras.
Chegou até a ganhar contornos hollywoodianos na série Teerã, da Apple TV, na qual um agente da Mossad se infiltra nos mais altos escalões do aparato de segurança da Guarda Revolucionária iraniana.
Na vida real, Richard Goldberg, que atuou como diretor do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca para combater as armas de destruição em massa iranianas sob a gestão do presidente Donald Trump (2017-2021), disse que Mohsen Fakhrizadeh não poderia ter sido assassinado sem que houvesse uma enorme brecha de segurança dentro do Irã.
O Irã continua insistindo que seu programa nuclear é apenas para fins pacíficos.
Mas desde que Trump abandonou o acordo nuclear em 2018 e restabeleceu as sanções dos EUA, o Irã respondeu enriquecendo urânio a níveis de pureza cada vez mais altos — e agora está perto de ter o suficiente para uma arma nuclear.
Suas conversas com potências mundiais em Viena sobre a retomada do acordo nuclear também estagnaram.
Outros confrontos
Também se suspeita que o Irã tenha atacado interesses americanos e israelenses na região em retaliação por ataques em seu território.
Em março, disparou mísseis balísticos contra o que supostamente era um “centro estratégico” israelense na região do Curdistão iraquiano.
As milícias apoiadas pelo Irã também foram acusadas de lançar foguetes e drones em bases iraquianas que abrigavam tropas dos EUA, além de realizar ataques a bomba a comboios de suprimentos.
Em um movimento sem precedentes, Israel alertou recentemente seus cidadãos em Istambul para deixar a cidade e aos outros a não viajar para a Turquia, dizendo que enfrentavam “perigo real e imediato” de agentes iranianos que buscavam prejudicar os israelenses.
Enquanto isso, o agora ex-primeiro-ministro de Israel Naftali Bennett disse que seu país está implementando o que chamou de “doutrina polvo”, que envolve intensificar as operações secretas relacionadas aos programas nucleares, de mísseis e de drones em território iraniano, em vez de mirar em proxies regionais (terceiros) em outros países.
“Não brincamos mais com os tentáculos, com os proxies do Irã: criamos uma nova equação para chegar à cabeça”, disse Bennett à revista britânica The Economist no início de junho.
“Matar civis inocentes sob proteção política ocidental não é nenhuma novidade para o regime israelense, mas os israelenses exageram suas capacidades para propósitos políticos, fingindo que acidentes e mortes comuns também são obra deles”.
“O Irã definitivamente vai revidar, mas o Irã é paciente”, acrescentou.
A resposta
O chefe da força de elite Quds do Irã, o braço de operações da Guarda Revolucionária no exterior, general Esmail Qaani, afirmou que o Irã continuará apoiando qualquer movimento anti-EUA ou anti-Israel em qualquer lugar.
As relações entre os EUA e o Irã também se deterioraram desde que Washington matou o antecessor de Qaani, Qasem Soleimani, em um ataque de drone na capital iraquiana em janeiro de 2020.
Soleimani havia estado na mira dos militares americanos várias vezes, mas foi poupado até que Donald Trump decidiu puxar o gatilho, sob a influência de seu então secretário de Estado, Mike Pompeo.
Trump disse que Soleimani era “o terrorista número um em qualquer lugar do mundo”.
O governo Trump também tentou mudar o equilíbrio de poder no Oriente Médio e isolar ainda mais o Irã ao negociar os Acordos de Abraão, nos quais os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein concordaram em normalizar as relações com Israel.
“O Irã odeia os Acordos de Abraão”, disse um alto diplomata árabe que não quis ser identificado.
No entanto, uma ex-autoridade iraniana afirmou que eles não viam os acordos como duradouros, descrevendo-os como mais um “caso de amor temporário”.
Antes da próxima visita do presidente Biden a Israel e à Arábia Saudita, um alto funcionário da Casa Branca afirmou que os Estados Unidos não viam a guerra nas sombras entre Irã e Israel se intensificando — pelo menos não de maneira preocupante.
No entanto, Richard Goldberg, que agora trabalha para o think tank Foundation for Defense of Democracies, com sede em Washington, diz que a campanha clandestina de Israel pode ter seus limites.
“O mundo está esperando por um grande momento, em que vamos acordar e ouvir sobre os ataques aéreos israelenses.”
“Mas os israelenses parecem estar normalizando silenciosamente a guerra nas sombras, que pode facilmente se transformar em um ataque direto a instalações nucleares, sem que o mundo diga: ‘Há um ataque militar, temos que detê-lo’.”
Fonte: BBC.