Do pão em São Paulo, ao supermercado nas grandes capitais europeias, passando pelo interior da África, a guerra na Ucrânia ameaça elevar os preços de alimentos pelo mundo. Dados divulgados nesta sexta-feira pela FAO, a agência de alimentos da ONU, revelam que o confronto militar entre duas potências agrícolas – Rússia e Ucrânia – deve levar ao aumento de mais de 20% em média nos preços de alimentos no mundo.
Segundo a FAO, mesmo antes da guerra eclodir, o mês de fevereiro já registrou a maior alta nos preços de commodities agrícolas. Mas, com o conflito, a previsão é de que a tendência seja de um aumento ainda maior a partir de março e abril, com até 30% das terras aráveis ucranianas não podendo ser utilizadas.
De acordo com a agência, apenas parte do abastecimento global conseguirá ser substituído por produtos de outras regiões do mundo. O restante, porém, viveria de fato uma escassez. Nesta sexta-feira, o presidente da França, Emmanuel Macron, também declarou que tanto os europeus como africanos deveriam esperar por um impacto profundo nos preços de alimentos.
A previsão é de que as sanções sobre a Rússia e a destruição na Ucrânia afetarão a produção e exportação de cereais, milho e outros bens durante o ano de 2022. Hoje, a Rússia é o maior exportador de trigo do mundo, enquanto a Ucrânia ocupa a 5ª posição. Juntos, eles são responsáveis por um quinto do abastecimento global do produto, além de 5% do milho. No total, ucranianos e russos correspondem a 30% do comércio mundial de cereais.
“As prováveis perturbações nas atividades agrícolas desses dois grandes exportadores de commodities básicas poderiam agravar seriamente a insegurança alimentar em todo o mundo”, disse o diretor-geral da FAO, Qu Dongyu. “Preocupantemente, a lacuna de fornecimento global resultante poderia aumentar os preços internacionais de alimentos e rações em 8 a 22% acima de seus níveis já elevados”, afirmou.
Fome
Outra preocupação da FAO se refere à fome nos países mais pobres. Hoje, cerca de 50 países pelo mundo dependem dos cereais russos e ucranianos para abastecer mais de 30% de seus mercados.
Sem esses produtos, a FAO estima que entre 8 milhões e 13 milhões de pessoas podem ser incorporadas no exército de famintos pelo mundo, em grande parte na Ásia, África e Oriente Médio.
Hoje, o Programa Mundial de Alimentação compra 1,4 milhão de toneladas para distribuir aos países mais pobres do mundo. Mas 70% de toda essa aquisição vem justamente dos dois países que protagonizam a guerra.
No Líbano, 90% do trigo vem da Ucrânia e tem o papel central para a alimentação da Somália e da Síria. Já 70% do trigo importado pela Turquia vem da Rússia.
No Egito, por exemplo, mais de 50% das calorias importadas vêm dos dois países em guerra. Sudão, Líbia e República Democrática do Congo também são fortemente dependentes do abastecimento desses países.
Em 2019, a Etiópia importou US$ 458 milhões em trigo, dos quais mais de US$ 200 milhões vieram de russos e ucranianos.
No Iêmen, os dois países abasteceram um total de US$ 225 milhões em trigo, praticamente metade de toda a importação do país no Golfo.
Na mente de muitos na ONU estão os acontecimentos entre 2008 e 2012, quando a alta no preço de alimentos gerou instabilidade social, confrontos abertos e, para alguns teóricos, foram decisivas para abrir o caminho para a Primavera Árabe.
No total, mais de 40 países traduziram a inflação daqueles anos em confrontos sociais e até na queda de governos.
Com o temor de que o mesmo cenário volte a ocorrer, as agências internacionais ampliam negociações com novos fornecedores. Mas admitem que, mesmo se encontrarem volumes suficientes, os preços serão mais elevados.
Não por acaso, a guerra entre Moscou e Kiev deixou as entidades internacionais em estado de alerta. “O conflito é o principal motor da fome e da insegurança alimentar no mundo”, disse o diretor-executivo do Programa Mundial de Alimentação da ONU, David Beasley. “Temos agora 283 milhões de pessoas marchando para a fome com 45 milhões batendo à porta da fome aguda”, disse. “O mundo não pode permitir que outro conflito aumente ainda mais o número de pessoas famintas”, alertou.
“A bacia do Mar Negro é uma das áreas mais importantes do mundo para a produção de grãos e agricultura, e o impacto do conflito na segurança alimentar provavelmente será sentido além da fronteira da Ucrânia, especialmente sobre os mais pobres dos pobres”, disse.
Antes da guerra chegar, a ONU alertava que 811 milhões de pessoas iriam para a cama com fome todas as noites ao redor do mundo, com o número dos que enfrentam a insegurança alimentar aguda tendo saltado de 135 milhões para 283 milhões desde 2019, uma consequência dhttps://www.apolo11.com/a pandemia de covid-19.
Fonte: UOL.