A República Islâmica do Irã assumiu publicamente, nesta quarta-feira, um ataque aéreo com mísseis e drones contra a região do Baluquistão, no vizinho Paquistão, alertando seus adversários regionais de que o país “não vê limites” para o uso de suas capacidades militares contra quem quer que ameaça sua soberania ou seus cidadãos.
O comportamento agressivo iraniano é o mais novo fator de perturbação em um Oriente Médio conflituoso com a guerra entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza e as tensões no Mar Vermelho diante os ataques dos rebeldes houthis.
— Nós somos uma potência em termos de mísseis no mundo — afirmou o ministro da Defesa iraniano, Mohammad Reza Ashtiani, em uma entrevista coletiva, horas depois do ataque contra o Paquistão. — De onde quer que eles pretendam ameaçar a República Islâmica do Irã, nós vamos reagir, e essa reação certamente será proporcional, dura e decisiva.
O ataque contra o Paquistão foi o terceiro em dois dias lançado por forças iranianas contra países vizinhos, incluindo aliados como Síria e Iraque. O regime dos aiatolás justifica os bombardeios como ações de antiterrorismo, contra grupos transnacionais que ameaçam seu território. No Baluquistão, o alvo seriam militantes do grupo sunita Jaish al-Adl, acusado por Teerã e por Washington de terrorismo e que constantemente ataca o território iraniano a partir de solo paquistanês.
Na Síria, o ataque foi lançado contra a cidade de Idlib, região ainda sob controle de opositores do presidente Bashar al-Assad, um aliado do Irã. O alvo seriam células terroristas do Estado Islâmico (EI), que assumiu o atentado terrorista do começo do mês na cidade iraniana de Kerman, que matou dezenas de pessoas durante uma procissão no túmulo do general Qassem Soleimani. Contra o território sírio, a Guarda Revolucionária disparou mísseis Khaibar-Shekan, a partir do sudeste do Irã. Os projéteis guiados percorreram 1,3 mil Km para atingir seus alvos — quase a distância para Tel Aviv.
A demonstração de força de Teerã foi apontada como arriscada por analistas ocidentais, que veem como um desafio para o país manter as ações apenas no campo de uma mostra de capacidades militares e apoio a seus aliados, sem escalar as tensões regionais ou incidir em um conflito direto com Israel ou Estados Unidos.
Durante o bombardeio à região autônoma do Curdistão, no Iraque (outro país com quem o Irã mantém laços próximos), Teerã disse ter destruído um centro de espionagem israelense, afirmando que seria uma posição ligada ao Mossad, serviço de inteligência externa de Israel.
Os EUA condenaram a ação como “imprudente e imprecisa”. Na frente do Mar Vermelho, autoridades militares americanas acusaram os iranianos de enviarem armas, incluindo mísseis, para os rebeldes houthis do Iêmen, a quem Washington combate diretamente por seus atentados contra o comércio naval.
Embora ocorram entre agentes diferentes, a interligação entre todas as frentes de tensão no Oriente Médio fica evidenciado. O ministro das Relações Exteriores iraniano, Hossein Amir-Abdollahian, afirmou nesta quarta-feira, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, que outros conflitos cessariam se houvesse o fim da invasão israelense em Gaza.
— Se o genocídio em Gaza parar, então vai iniciar o fim de outras crises e ataques na região — afirmou Abdollahian, dizendo ter recebido garantias do líder do movimento libanês Hezbollah, Hassan Nasrallah, para o fim das agressões contra Israel.
‘Preparem os seus caixões’
Os ataques iranianos também foram descritos por analistas ocidentais como uma demonstração de força para agradar os apoiadores do regime dentro do país, como uma prova de que Teerã está preparada para alcançar seus inimigos externos onde quer que estejam.
Agências internacionais publicaram fotos de murais e banners espalhados pela capital iraniana, nesta terça-feira, com imagens de mísseis e pedindo por “vingança”. Um mural em particular, localizado em um prédio na Praça Palestina, levava uma mensagem escrita em hebreico e farsi: “Preparem os seus caixões”.
As ações diretas são apenas parte das ações do Irã nas questões de segurança da região. O regime é o principal fornecedor de armas para uma série de movimentos que questionam a existência de Israel e a presença americana na região, como o Hamas (Gaza), Hezbollah (Líbano) e houthis (Iêmen).
Calculando a reação
Tanto Iraque quanto Paquistão condenaram as ações ofensivas do Irã contra seus territórios, acusando Teerã de violarem suas soberanias. No caso de Islamabad, a reação parece ter sido mais forte, com o rompimento das relações diplomáticas de mais alto nível, retirando seu embaixador da capital iraniana e expulsando o responsável pelos negócios estrangeiros persa de sua capital. O país, detentor de um arsenal nuclear, disse que se reservaria ao direito de retaliar a reação iraniana.
Apesar disso, uma retaliação não seria simples. De acordo com Muhammad Ashfaque Arain, antigo marechal da Força Aérea Paquistanesa, o país se encontra em uma posição delicada, com um governo provisório no comando até às eleições dificultando a articulação de qualquer resposta.
Arain observou ainda que o Paquistão enfrenta relações problemáticas com três de seus vizinhos. Embora a Índia seja há muito um adversário, os laços com o Afeganistão se deterioraram nos últimos meses, com as autoridades paquistanesas acusando o grupo fundamentalista Talibã de fornecer abrigo a grupos militantes que questionam a política de Islamabad. A recente decisão do Paquistão de expulsar estrangeiros sem documentos, em sua maioria afegãos, prejudicou ainda mais as relações.
Fonte: Estadão.