O presidente dos EUA não descarta o envio dos mísseis americanos de longo alcance Tomahawk para a Ucrânia. Armamento alcança alvos a 2,5 mil quilômetros e pode transformar poder de fogo ucraniano.Os mísseis de fabricação americana Tomahawk ganharam centralidade nas tratativas entre Washington e Kiev pelo fim da guerra na Ucrânia.
O presidente dos EUA, Donald Trump, não descarta mais o fornecimento dessas armas de longo alcance ao seu homólogo ucraniano, Volodimir Zelenski, com quem se encontrará nesta sexta-feira (17/10). Trump afirma que o míssil pode entrar nas tratativas caso a Rússia se recuse a acatar uma solução pacífica para a guerra.
Zelenski disse já ter discutido a transferência do armamento com Trump, considerado “decisivo” por Kiev para repelir a agressão russa e alcançar a paz. “Vemos e ouvimos que a Rússia teme que os americanos nos forneçam Tomahawks. Isso mostra que esse tipo de pressão pode contribuir para a paz”, disse Zelenski, que ainda prometeu usaria o armamento exclusivamente para atacar alvos militares.
Os mísseis ampliariam a capacidade do exército ucraniano de alcançar alvos mais profundos no território russo e com maior precisão, sem depender exclusivamente do despacho de drones. Variantes do Tomahawk podem atingir pontos a 2,5 mil quilômetros de distância.
O presidente russo, Vladimir Putin, já havia afirmado que os mísseis americanos não representavam uma ameaça séria à Rússia, mas acrescentou que seu envio à Ucrânia representaria uma “etapa absoluta e nova de escalada” nas relações entre Washington e Moscou.
Em entrevistas a veículos russos, representantes do Kremlin disseram ver “danos colossais” caso Trump acate a transferência, e admitiram que o fornecimento dos mísseis é motivo de “extrema preocupação” em Moscou.
Em 2024, quando a Ucrânia empregou pela primeira vez mísseis americanos de alcance menor, os ATACMS, autorizados pelo ex-presidente dos EUA Joe Biden, Moscou reagiu dizendo que o ataque implicaria diretamente os Estados Unidos no conflito.
“Poder de fogo” à Ucrânia
Ainda não está claro se Trump irá autorizar o uso do armamento. Desde que sua cúpula com Putin em agosto não levou a um avanço nas negociações de paz, o presidente americano tem assumido um tom mais crítico a Moscou.
Uma delegação ucraniana que visita Washington nesta semana para preparar o encontro entre Trump e Zelenski chegou a se reunir com representantes da Raytheon, a fabricante do Tomahawk, segundo informou o assessor principal de Zelenski, Andriy Yermak.
Em reunião da Otan em Bruxelas na quarta-feira, o secretário de Defesa dos EUA, Pete Hegseth, disse que “poder de fogo” chegará à Ucrânia, sem citar o Tomahawk diretamente.
Tomahawk: um clássico da tecnologia militar de alto alcance
O Tomahawk é um míssil de cruzeiro estratégico e tático, subsônico, de longo alcance e alta precisão e que pode ser lançado de diversas rampas de lançamento. Ele é produzido em diferentes versões, podendo transportar ogivas nucleares.
“O Tomahawk é um míssil bastante antigo, cujo desenvolvimento começou na década de 1970. Os americanos o desenvolveram inicialmente como um veículo de lançamento para armas nucleares em três versões: lançado do ar (para bombardeiros), terrestre e marítimo”, explicou o especialista militar ucraniano Konstantin Krivolap em entrevista à DW.
Originalmente, o míssil tinha um alcance de até 2,5 mil quilômetros. Quando a ogiva nuclear foi substituída por uma convencional, o novo modelo ficou limitado a um alcance de 1,6 mil quilômetros e uma capacidade de carregar ogivas de até 450 quilos. No entanto, ainda existem mísseis capazes de atingir distâncias maiores, enfatiza Krivolap.
Segundo ele, os mísseis terrestres Tomahawk e suas respectivas plataformas de lançamento foram abandonados após a assinatura do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (INF) entre os Estados Unidos e a então União Soviética em 1987.
Mas após a retirada dos americanos do tratado em 2019, durante o primeiro mandato de Donald Trump, muitas plataformas de lançamento foram restauradas, inclusive na Alemanha.
De acordo com Krivolap, a característica única do Tomahawk é que ele navega em altitudes muito baixas, considerando o terreno e contornando obstáculos. “Ele implementa da melhor forma os avanços tecnológicos disponíveis para o rastreamento de terreno .” Trata-se, portanto, do míssil de cruzeiro não nuclear de maior alcance do Ocidente, diz Krivolap.
Por que os Tomahawks representam uma ameaça para Moscou?
O míssil Tomahawk foi introduzido em 1983. Desde então, os EUA o têm utilizado repetidamente em operações militares, incluindo no Iraque, Líbia e Síria. Andriy Kovalenko, do Centro de Combate à Desinformação do Conselho de Segurança e Defesa da Ucrânia, destaca que os mísseis Tomahawk de longo alcance atingiram com sucesso alvos da defesa aérea russa durante os combates na Síria em 2017 e 2018.
Segundo ele, um Tomahawk voa com uma navegação complexa, o que dá ao inimigo apenas alguns segundos para reagir após ser detectado pelo radar. A interceptação eficaz deste míssil requer uma rede densa de radares de baixa altitude, bem como a transmissão instantânea de designações de alvos e defesa aérea sincronizada.
“Os sistemas russos cobriram alvos sírios na época, mas não obtiveram sucesso. Os Tomahawks são especialmente eficazes quando lançados em grupos. Sobrecarregar as defesas aéreas aumenta as chances de sucesso. Os sistemas russos S-400 ou Pantsir são fracos contra os Tomahawks”, explica Kovalenko.
A experiência com o míssil Tomahawk e seu poder de longo alcance permitiria às Forças Armadas ucranianas atingir alvos militares importantes na Rússia, principalmente a uma distância de 1,6 mil quilômetros, disse à DW Oleh Katkov, especialista em armas e editor-chefe do portal militar Defense Express. “Seria possível destruir um certo número de empresas russas de armamentos”, enfatiza.
O Instituto Americano para o Estudo da Guerra (ISW, na sigla em inglês) também acredita que a Ucrânia poderia usar o Tomahawk para causar danos significativos ou até mesmo destruir instalações militares, como fábricas de drones ou a base aérea Engels-2, na região de Saratov. De lá, a Rússia lança bombardeiros estratégicos que disparam mísseis de cruzeiro lançados do ar em ataques massivos contra a Ucrânia. No total, o ISW estima que os Tomahawks poderiam atingir de 1,6 mil a 2 mil alvos militares na Rússia.
Quantos Tomahawks a Ucrânia poderia obter?
Especialistas ucranianos avaliam, no entanto, que a Ucrânia pode não receber mísseis suficientes para atingir todos esses alvos, já que não se sabe o tamanho do arsenal americano ou os valores que serão cobrados por eles.
Katkov ressalta que Washington atualmente só vende armas para a Ucrânia em troca de recursos de países europeus da Otan e do Canadá, por meio do mecanismo PURL (Lista de Necessidades Prioritárias da Ucrânia).
O preço de um Tomahawk é alto e varia dependendo do país que o compra. Segundo Katkov, a Holanda paga 12,5 milhões de dólares (R$ 68 milhões) por unidade, enquanto o Japão desembolsa apenas 4,25 milhões de dólares (R$ 23,2 milhões). A diferença se explica pelo fato de Washington ver na China a maior ameaça à segurança nacional dos EUA.
“Se considerarmos um pacote médio de financiamento PURL de meio bilhão de dólares e o preço para o Japão, obtemos cerca de 117 mísseis. Se considerarmos o preço para a Holanda, é significativamente menor. A taxa de produção de Tomahawks de todas as variedades tem sido de cerca de 50 por ano nos últimos anos. Isso não é muito e significa que a Ucrânia definitivamente não receberá milhares de Tomahawks, talvez nem centenas”, disse Katkov.
Entregas de Tomahawk como um sinal para Vladimir Putin
Caso o presidente dos EUA decida entregar essas armas à Ucrânia, isso seria uma consequência direta da rejeição de Putin a qualquer proposta de paz de Trump, afirma John E. Herbst, diretor sênior do Centro Eurásia do Conselho Atlântico e ex-embaixador dos EUA na Ucrânia.
“A histeria do Kremlin em torno de uma possível entrega dessas armas à Ucrânia mostra que isso pode influenciar as políticas de Putin”, explica o especialista em entrevista à DW. Ele acredita que entregas de Tomahawk dificilmente decidiriam a guerra. No entanto, poderia enviar um sinal a Putin e persuadir o Kremlin a iniciar negociações de paz.
Fonte: DW.