O centro histórico de Veneza registrou duas inundações superiores a 150 centímetros em um único ano pela primeira vez desde 1872, quando os dados sobre o fenômeno da “acqua alta” na cidade começaram a ser compilados.
Segundo o Centro de Previsões de Marés da Prefeitura (CPSM), a água na Lagoa de Veneza atingiu 187 centímetros acima de seu nível médio na última terça-feira (12), 144 na quarta (13) e 154 nesta sexta (15).
É a primeira vez desde 1872 que a capital do Vêneto tem duas marés acima de 150 centímetros e três superiores a 140 em um único ano – ainda mais na mesma semana. A “acqua alta” de terça-feira, que cobriu mais de 80% do centro histórico, é a maior em Veneza desde 4 de novembro de 1966, quando uma inundação registrou 194 centímetros, recorde da cidade.
Uma cheia de 140 centímetros já é suficiente para alagar 59% do centro da capital do Vêneto. O fenômeno da “acqua alta” acontece quando o mar supera os 80 centímetros acima de seu nível médio e é habitual em Veneza, porém está se tornando cada vez mais frequente.
De acordo com dados disponíveis no site da Prefeitura e referentes ao período entre 1983 e 3 de outubro de 2019, o número de cheias por década vem aumentando de forma consistente e mais do que dobrou nos últimos 40 anos.
Entre 1983 e 1990, foram 351 (44 por ano); entre 1991 e 2000, 568 (57 por ano); e entre 2001 e 2010, 933 (93 por ano). Já entre 2011 e 2019, a cidade contabiliza 962 inundações superiores a 80 centímetros, ou seja, 96 por ano. Os dados ainda não contemplam 28 dias de outubro, além dos meses de novembro e dezembro, justamente a época com mais cheias. Das 16 enchentes superiores a 140 centímetros registradas desde 1983, já contabilizando as três desta semana, nove ocorreram nos últimos 10 anos, e 13, neste século.
Mês a mês
Ainda segundo os dados da Prefeitura, o período entre outubro e janeiro, que corresponde ao fim do outono e ao início do inverno na Europa, concentra mais da metade das inundações na capital do Vêneto desde 1983.
Ao longo dos últimos 36 anos, a “acqua alta” se repetiu ao menos 2.814 vezes, sendo que novembro, com 507 (18,02%), lidera o ranking, seguido por outubro, com 379 (13,47%); dezembro, com 327 (11,62%); e janeiro, com 263 (9,35%). Os meses com menos inundações no período são agosto (81, 2,88%) e julho (83, 2,95%), no auge do verão europeu.
Causas
Influenciada pelo ciclo lunar, a maré em Veneza também é afetada por fenômenos meteorológicos, como tempestades e o vento de siroco, uma corrente de ar quente proveniente do deserto do Saara.
Dois fatores, no entanto, contribuem para o aumento da ocorrência da “acqua alta” e estão ligados a problemas contemporâneos: a elevação do nível do mar e a erosão do solo na Lagoa de Veneza.
O primeiro é decorrência direta do aquecimento global, que derrete as calotas de gelo polar e coloca em risco zonas litorâneas. De acordo com o Instituto Superior para Proteção e Pesquisa Ambiental (Ispra), o nível do mar em Veneza cresceu 35 centímetros entre 1872 e 2016, ao ritmo de 2,5 milímetros por ano.
Já o afundamento do solo marinho se deve sobretudo à ação do homem, em atividades industriais e para facilitar o trânsito de grandes navios. A Prefeitura iniciou em 2003 a construção de um bilionário sistema de comportas chamado “Mose”, mas a obra, que tem como objetivo evitar inundações no centro de Veneza, caminha a passos lentos devido a escândalos de corrupção e será concluída somente em 2021.
Um estudo divulgado em 2017 pelo Instituto Nacional de Geofísica e Vulcanologia (INGV) apontou que a cidade de Veneza pode ser “engolida” pela água até o fim do século se o aumento do nível do mar não for contido.
Fonte: ANSA.