Desde que a Venezuela entrou em um isolamento contra o coronavírus, dezenas de necessitados têm formado filas em um matadouro de San Cristóbal, cidade do oeste do país, para receber a única proteína que podem ter de graça: sangue de gado.
O mecânico Aleyair Romero, de 20 anos, vai duas vezes por semana. Ele perdeu o emprego em uma garagem local e diz que as caixas de alimento subsidiado pelo governo do presidente Nicolás Maduro demoram muito para chegar.
“Tenho que encontrar comida de qualquer jeito”, disse Romero segurando uma garrafa térmica transbordando com o sangue que o matadouro oferece grátis.
Embora o sangue de vaca seja um ingrediente tradicional da sopa de “pichón” dos Andes venezuelanos e da vizinha Colômbia, mais pessoas o estão procurando durante a crise da Covid-19.
Em uma nação orgulhosamente carnívora, poucos estão contentes por ingerir mais sangue do que carne – um quilo da qual custa cerca de dois salários mínimos.
O consumo maior de sangue de gado é, assim como as mangueiras sem frutas, um símbolo contundente da pobreza agora que a economia da Venezuela, que já atravessa seu sexto ano de implosão hiperinflacionária, praticamente parou por causa da pandemia.
Embora os números de mortes e casos relatados do vírus pareçam modestos, os venezuelanos estão sofrendo com a paralisação econômica e os atrasos do programa estatal de distribuição de alimentos conhecido como Clap, há anos a fonte de alimento mais importante de muitos.
A situação está atingindo as províncias mais duramente porque a distribuição se concentra em grandes cidades como Caracas, de acordo com a Cidadania em Ação, instituição de caridade voltada à nutrição.
Há anos o governo prioriza a capital quanto ao acesso a serviços como água e energia.
Em Caracas, 26,5% das famílias recebem caixas da Clap, em comparação com as 4% de áreas como a região de Los Llanos, segundo a Cidadania em Ação.
“Não é o vírus que vai matá-las, é a fome”, disse Edison Arciniegas, diretor do grupo.
Cifras oficiais indicam que a Venezuela teve 440 casos de coronavírus e 10 mortes por enquanto, mas críticos acreditam que há mais.
Os restaurantes populares do governo registraram um grande aumento de procura desde que a quarentena começou, em meados de março, e a entrega de caixas de alimento passou a atrasar.
O governo do presidente Nicolás Maduro alega que os problemas econômicos no país são decorrentes das sanções dos Estados Unidos, destinadas a pressionar por sua saída do poder, e diz que as agências de ajuda internacional exageram sobre o contingente da onda migratória venezuelana. Opositores e economistas afirmam que a crise decorre do modelo estatal de controles.
O Ministério de Informação da Venezuela não respondeu de imediato a um pedido de comentários.
Fonte: Reuters.