A explosão, neste sábado (8/10), de parte de uma ponte construída pela Rússia para ligar seu território com a península da Crimeia – ocupada de modo considerado ilegal pela comunidade internacional em 2014 – tensiona ainda mais a nova fase da guerra na Ucrânia.
Ainda não está claro o que causou o incidente na ponte Kerch, mas ele fez com que explodissem tanques de combustível que estavam sobre os trilhos e levou ao colapso de um trecho da estrutura.
A ponte, construída por ordem do presidente russo Vladimir Putin, é crucial para o transporte de equipamentos militares russos a suas tropas na Ucrânia. Putin ordenou uma investigação sobre a explosão, segundo um porta-voz do Kremlin. E autoridades pró-Rússia na Crimeia afirmaram que as obras de restauração da ponte podem começar ainda neste sábado. A Rússia disse também que a parte ferroviária da ponte reabrirá ainda neste sábado.
Segundo investigadores russos, a explosão causou três mortes, de pessoas que estavam em um carro próximo a um caminhão que explodiu.
As dramáticas imagens da ponte em chamas são um símbolo vergonhoso para Moscou, explica o editor da BBC na Rússia, Steve Rosenberg. Ele explica que, por isso, comentaristas pró-Kremlin já estão instando o governo russo a reagir com força contra Kiev.
Ainda não está claro como Putin vai responder, mas o presidente russo já vinha escalonando a guerra com a convocação de reservistas, com a anexação de quatro territórios ucranianos e com ameaças de usar seu arsenal nuclear.
Em entrevista recente à BBC, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, disse que a Rússia “começa a se preparar” para uma possível ação nuclear.
Na região de Zaporizhzhia, também anexada pelos russos, causou comoção na quinta-feira um ataque de míssil que deixou ao menos 17 civis mortos – a população local acha que está sendo punida pelas tropas russas por conta dos avanços ucranianos em algumas frentes. E temem que mais agressões a civis possam ocorrer nos próximos dias.
Ponte simbólica
A ponte Kerch não é apenas estrategicamente importante, mas também um símbolo da anexação da Crimeia – uma forma de mostrar que os dois territórios estão permanentemente unidos, explica Steve Rosenberg.
Quando a ponte foi inaugurada, em 2018, a imprensa estatal russa exaltou a obra como “a construção do século”, por ser a ponte mais comprida da Europa, com 19 km de extensão.
Em diversas ocasiões, autoridades russas afirmaram que a ponte era bem protegida de ameaças, fossem por ar, terra ou água.
Ao mesmo tempo, a Rússia também perdeu território ucraniano que havia conquistado, o que também pode provocar reações do Kremlin.
O governo ucraniano, enquanto isso, comemorou o ato contra a ponte, embora não tenha diretamente reivindicado a ação. Um conselheiro de Zelensky, Mykhailo Podolyak, disse que o episódio é “apenas o começo”.
“Crimeia, a ponte, o começo. Tudo o que for ilegal deve ser destruído, tudo o que foi roubado deve ser devolvido à Ucrânia, toda a ocupação russa deve ser expulsa”, tuitou Podolyak.
A porta-voz do Ministério de Relações Exteriores russo, Maria Zakharova, afirmou que o fato de os ucranianos terem exaltado o episódio confirma a “natureza terrorista” do incidente.
Suprimento dificultado
Única ligação entre a Rússia e a Crimeia, a ponte tem papel vital para o suprimento russo, explica o correspondente da BBC na Ucrânia, Paul Adams. Sem essa ligação, Moscou terá dificuldade em enviar tropas e equipamentos para repelir a ofensiva ucraniana no norte de Kherson – uma das áreas ucranianas que a Rússia anexou.
Lawrence Freedman, professor aposentado de estudos da guerra da Universidade King’s College London, disse à BBC que as tropas russas enfrentarão grandes desafios enquanto a ponte estiver desabilitada.
“Os ucranianos não alvejaram apenas território e indivíduos (russos), mas atacaram a logística. (…) A ponte Kerch é um exemplo de que eles (russos) têm um problema de reabastecimento. Mesmo tendo um número expressivo de soldados ali, bem armados e pontos para a luta, eles não conseguirão seguir em frente se não receberem suprimentos”, declarou Freedman à BBC Radio 4.
Hugo Bachega, correspondente da BBC na Ucrânia, explica que Kiev tem vivido um ímpeto importante na guerra, reconquistando quantidades significativas de território em sua contra-ofensiva e forçando tropas russas a abandonar posições que sustentavam havia meses.
A ponte Kerch, explica ele, é particularmente odiada pelos ucranianos, porque simboliza a ocupação em curso há oito anos.
Os correspondentes da BBC na Ucrânia explicam que o episódio deste sábado elevou a moral ucraniana. Vídeos da ponte em chamas estão viralizando nas redes sociais no país, e o segundo maior banco da Ucrânia, Monobank, emitiu um cartão de débito ilustrado com a ponte colapsada.
Chamas
Segundo o Comitê Anti-Terrorismo da Rússia, o incêndio na ponte começou às 6h da manhã (hora local) deste sábado, em um caminhão. Depois, as chamas avançaram para tanques de combustível e nos trilhos da parte ferroviária da ponte.
O tráfego rodoviário e ferroviário na ponte foi suspenso, provocando longas filas na área.
Autoridades pró-Kremlin na Crimeia afirmaram que vão organizar uma rota de balsas entre o território e a Rússia e tentam assegurar a população local de que a península não corre risco de sofrer escassez de produtos.
“Temos combustível para um mês inteiro, e não deve haver aumento nos preços”, afirmou em pronunciamento Sergei Aksyonov, chefe do governo da Crimeia. “Temos estoques de comida para dois meses, Não há riscos.”
Vladimir Kontantinov, presidente do Parlamento da Crimeia, disse que a explosão na ponte é obra de “vândalos ucranianos”.
“Nos 23 anos em que eles (ucranianos) estiveram no comando (da península), não construíram nada importante na Crimeia, mas conseguiram danificar a ponte russa. Essa é a essência do regime de Kiev e do Estado ucraniano. Morte destruição é só o que eles fazem”, escreveu ele no Telegram, acrescentando que o dano “será prontamente restaurado, já que não é grave”.
Já um ex-especialista do Exército britânico disse a Paul Adams, da BBC, que o dano à ponte parece ter sido “uma obra-prima de sabotagem clandestina”.
Sob condição de anonimato, ele declarou que a ação pode ter sido realizada pelas forças especiais ucranianas.
“Um ataque bem planejado feito de baixo (da água) para cima parece ter sido a causa”, declarou.
Fonte: BBC.