As ondas de calor que se intensificam em todo o planeta, não afetam apenas o conforto térmico ou a produtividade. Um estudo publicado na revista Nature revelou que a exposição prolongada a temperaturas elevadas pode acelerar o envelhecimento biológico do corpo humano – com impactos comparáveis aos do tabagismo, do consumo excessivo de álcool e do sedentarismo.
A pesquisa, conduzida por cientistas da Universidade de Hong Kong, acompanhou 24.922 adultos em Taiwan ao longo de 15 anos. Os resultados são alarmantes: dois anos de exposição a ondas de calor intensas podem adicionar de oito a 12 dias extras ao envelhecimento biológico de uma pessoa.
Embora o número pareça pequeno, os efeitos são cumulativos e podem representar riscos significativos à saúde pública ao longo do tempo.
O que é envelhecimento biológico?
Cada um de nós possui dois tipos de “idade”, sublinha a revista. Diferente da idade cronológica – o número de anos desde o nascimento -, a idade biológica reflete o estado real do organismo. Ela é medida por meio de biomarcadores como pressão arterial, função hepática, capacidade pulmonar, inflamação e outros indicadores fisiológicos.
No estudo, os pesquisadores utilizaram 12 biomarcadores para calcular a idade biológica dos participantes. Eles cruzaram esses dados com informações sobre a frequência e intensidade das ondas de calor nas regiões onde os voluntários viviam. A conclusão foi clara: quanto maior for a exposição ao calor, mais acelerado o envelhecimento do corpo.
Trabalhadores manuais e populações vulneráveis são os mais afetados
Os efeitos do calor não são distribuídos de forma igual. O estudo identificou que trabalhadores manuais, que passam longos períodos ao ar livre, e moradores de áreas sem ar-condicionado apresentaram os maiores índices de envelhecimento acelerado. Em alguns casos, o impacto foi de até 33 dias adicionais na idade biológica em apenas dois anos.
Além disso, idosos e crianças também estão entre os grupos mais vulneráveis. A exposição prolongada ao calor pode comprometer o sistema imunológico, aumentar o risco de doenças crônicas e até antecipar a morte.
Calor extremo: um novo fator de risco global
A pesquisa taiwanesa se soma a uma crescente literatura científica que aponta o calor como um fator de risco emergente para a saúde pública. Em 2024, o mundo registrou 41 dias extras de calor extremo, segundo a organização World Weather Attribution. E a tendência é de piora, com ondas de calor mais frequentes, longas e intensas em diversas partes do globo.
Estudos anteriores nos Estados Unidos já haviam sugerido que viver em regiões com temperaturas médias acima de 32 °C por mais de 140 dias ao ano pode acelerar o envelhecimento em até 14 meses. No entanto, o novo estudo se destaca por considerar fatores individuais como tabagismo, doenças preexistentes e hábitos de vida, oferecendo uma análise mais precisa.
Impacto do calor na saúde mental
No hemisfério norte, o verão chega ao fim. E, mais uma vez, ele foi marcado por temperaturas extremas. Os chineses enfrentaram o verão mais quente já registrado. No Marrocos, os termômetros quase atingiram 47°C. Na França, a ministra da Transição Ecológica descreveu este verão como um “ponto de virada”. À medida que as mudanças climáticas intensificam as ondas de calor em todo o planeta, cada vez mais cientistas estudam seus efeitos sobre nossa saúde.
Nos dias de onda de calor, os serviços de emergência psiquiátrica registram um aumento no número de pacientes. É o caso, por exemplo, do hospital Sainte-Anne, em Paris, mas também nos Estados Unidos. Segundo a revista científica Jama Psychiatry (2022), as idas às emergências crescem 8% quando a temperatura está 5% acima do habitual.
Pouco conhecido, o impacto do calor sobre a saúde mental preocupa os profissionais da área. “Pode-se pensar que não somos afetados porque somos jovens, etc. Mas isso atinge tanto a população saudável quanto outras categorias”, alerta Suzana Andrei, secretária-geral da Federação Francesa de Psiquiatria.
Os mais afetados por esse fenômeno são aqueles que já têm algum transtorno. “Mesmo que seja leve, ele tende a se agravar com a onda de calor, que consome os recursos de adaptação físicos e mentais da pessoa”, explica a médica psiquiatra.
De acordo com um estudo publicado no International Journal of Environmental Research and Public Health, indivíduos com transtorno bipolar estão mais sujeitos à descompensação (um agravamento súbito do estado psicológico) durante picos de temperatura.
Soluções e desafios
Diante dos dados, os autores do estudo defendem intervenções urgentes em saúde pública. Entre as medidas sugeridas estão a criação de zonas de resfriamento urbano, políticas de proteção para trabalhadores expostos ao calor, vegetalização das cidades e campanhas de conscientização sobre os riscos do calor extremo.
No entanto, especialistas alertam que o uso indiscriminado de ar-condicionado pode agravar o aquecimento global, criando um ciclo vicioso. “Precisamos de soluções sustentáveis e equitativas”, afirma a epidemiologista Kristie Ebi, da Universidade de Washington, que não participou do estudo, mas comentou seus resultados.
Fonte: RFI.